Verões Felizes Vol 1
Zidrou (pseudónimo de Benoît Drousie; argumento) e Jordi Laferebre (desenhos)
Arte de Autor
112 págs
21,50 euros
Com um pretexto simples, demonstrando que, tantas vezes, a diferença está na forma como se fazem as coisas e o sentimento que lhes preside, este livro avança pelo território da emoção recorrendo a pequenos pormenores que, mesmo quando não são apreendidos (ou accionados) de forma consciente, desencadeiam a nossa afinidade. Qualquer um se identifica com o enredo e é impossível não partilhar destes Verões Felizes.
Para terminar a longa aventura que foi publicar diariamente, ao longo de quatro semanas, uma sugestão diária sobre um livro que merece ser oferecido neste Natal (pode consultar o trabalho completo em http://www.branmorrighan.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Morales), escolhi o álbum de que venceu o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora – Amadora BD deste ano como Melhor Obra Estrangeira de BD em Português, um volume que reúne os primeiros dois (Rumo ao Sul e A Calheta) da série de cinco originalmente publicados.
Cada aventura assenta numa viagem de férias, rumo ao Sul, ao bom tempo, ao descanso, ao recolhimento em família. Pierre, desenhador de BD, e Madô, a mulher, mais os três filhos, são os Faldérault, o grupo que protagoniza o quotidiano reconhecível de um núcleo similar, com as pequenas anedotas e loucuras que só fazem sentido nesta configuração (em família, entenda-se), incluindo Tchouki, o monstro imaginário companheiro do garoto mais novo, que há muito foi adoptado no imaginário de todos. Ou os pacotes de batatas fritas, “obrigatórios” quando se passa a fronteira belga. Aliás, a acção está munida de diversos pormenores que remetem imediatamente para o imaginário e a memória colectiva belga, incluindo comentários como “estes belgas são loucos”.
Aos mas atentos, esta última frase é a deixa perfeita para realçar as diversas “piscadelas de olho” ao próprio universo da BD e clássicos como Tintin ou o cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra: “– Acho que precisa de ficar sozinha”, confessa o pai; “Como o Lucky Luke no final das histórias?”, responde ternamente o filho.
O desenho é característico de uma determinada época, o que acentua ainda mais todo o zeitgeist que paira sobre estas figuras e a sua evolução em conjunto. A paleta cromática define com rigor a alternância entre noite e dia, dois panos de fundo que ajudam a integrar diferentes passagens icónicas do seu sentimento (a reconciliação dos pais, o acordar da família em plena horta estranha)
A amizade com diversas outras figuras ao longo das viagens, a forma descomplexada como em família assistimos às mais banais situações que nesse contexto ganham contornos hilariantes (como a preocupação da filha adolescente em esconder-se completamente ao urinar no mato ou o ritual de mostrarem todos o rabo ao mar na despedida) acentuam a identificação e o sorriso fácil que este livro desperta imediatamente.
Naturalmente, num livro que é um hino à vida (logo no início, lemos como o Tchouki tinha razão e “quando chegamos ao cimo do pinheiro a vista é tão bonita!”, frase que só fará todo o sentido mais adiante) teria de estar presente um óbito (irmã ou cunhada de Pierre). “Porque é que as pessoas morrem? Talvez para nos recordar que estamos vivos”. Um livro extremamente bem conseguido, com a aparente simplicidade que só as coisas mais profundas conseguem alcançar.
João Morales