Nova Antologia Pessoal
Jorge Luis Borges (traduções de Fernando Pinto de Amaral, José Colaço Barreiros, José Bento e António Alçada Baptista)
Quetzal
312 págs
17,70 euros
Um poema adequado para tempo de balanços.
«Onde estarão os séculos, onde o sonho
Das espadas que os tártaros sonharam
Onde os sólidos muros que aplanaram,
Onde a árvore de Adão e o outro Lenho?
O presente está só. Mas a memória
Constrói o tempo. Sucessão e engano
É a rotina do relógio. O ano
Nunca é menos vão do que a vão história.
Entre a aurora e a noite há um abismo
De agonias, de luzes, de cuidados,
O rosto que se vê nos desgastados
Espelhos da noite já não é o mesmo.
O hoje fugaz é ténue e eterno;
Não esperes outro Céu nem outro Inferno.»
Já tinha avisado que nem todas as sugestões desta extensa lista seriam livros acabadinhos de publicar. No entanto, há apenas dois anos, saiu entre nós uma nova edição (e num formato bastante convidativo) do livro que escolhi para ser a penúltima proposta de oferta em 2019. “Nova Antologia Pessoal”, de Jorge Luis Borges, como disse, reeditado pela Quetzal, no âmbito do excelente trabalho que a editora tem vindo a fazer ao colocar de novo ao nosso dispor as obras deste escritor obrigatório (coloco aqui uma cunha para recordar que ainda falta O Fazedor).
O livro reúne textos de formatos distintos e pode funcionar tão bem para um leitor conhecedor do trabalho do argentino como numa iniciação ao universo peculiar mas carismático que o define. Entre poemas (como o transcrito “O Instante”, “Xadrez”, “As coisas” ou “James Joyce”), prosa dispersa, contos (“A aproximação a Almotasim”, “O Imortal”) e ensaios (“A flor de Coleridge”, “O sonho de Coleridge”).
Pessoalmente, é um dos livros que mais me marcaram em toda a extensa e valiosa obra deste autor argentino, mestre na ironia, no recurso ao Fantástico, exploração da parábola e da simbologia, questionamento das condicionantes imutáveis em que Humanidade se desenvolveu desde sempre, hábil conhecedor da natureza ludibriosa da imaginação e da memória, amplo cartógrafo de certezas intemporais e outras caraterísticas que o talham como um dos mais originais e influentes escritores de sempre.
Gostava também de destacar a importância da reedição destes livros, porque quando a dimensão de um autor assim o justifica (e há vários outros exemplos que poderia dar), os editores devem ter em consideração que a cada 10 / 15 anos temos uma nova geração de leitores, tantas vezes desconhecedora – como é natural – dos maiores sucessos de vendas e de leitura durante a geração que a antecedeu. Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Boris Vian, Jean-Paul Sartre, Ernest Hemingway, Italo Calvino, Philip K. Dick, Jorge de Sena, Ruy Belo, José de Almada Negreiros, Moebius, José Carlos Fernandes, Alberto Manguel, Mário Cesariny de Vasconcelos, e tantos, tantos outros, devem estar sempre disponíveis nas livrarias.
Além de todos os argumentos, este livro traz consigo “O Jardim dos caminhos que se birfurcam”, essa peça de ourivesaria literária, que nos questiona profundamente sobre o acaso e os limites da nossa capacidade de livre arbítrio, ao expor tempos díspares, num mapa de possibilidades que ultrapassa a observação humana: «Ao contrário de Newton e de Schopenhauer, o seu antepassado não acreditava num tempo uniforme e absoluto. Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Esta trama de tempos que se aproximam, se bifurca, e se cortam, ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Nós não existimos na maior parte desses tempos, nalguns deles existe você e eu não; noutros eu e não nós, noutros ainda, existimos os dois. Neste, que um favorável acaso me proporciona, você chegou a minha casa; noutro, você, ao atravessar o jardim, deu comigo morto; e noutro, eu digo estas mesmas palavras, mas sou um erro, um fantasma».
João Morales