Estamos Todos na Sarjeta
Maurice Sendak (tradução de Carla Maia de Almeida)
Kalandraka
56 págs
17 euros
Catalogar este livro como sendo para crianças, é limitar de forma impensável a absurda a evidente amplitude do trabalho de Maurice Sendak, cuja dureza destas extraordinárias ilustrações o confirma como um dos mais inventivos criadores de monstros… mesmo quando eles se assemelham aos humanos. Aproveitemos ainda para louvar o trabalho da Kalandraka que, após o sucesso do mediático Onde se Escondem os Monstros, prosseguiu em Portugal a publicação de trabalhos deste artista norte-americano, sempre a desafiar a linha ténue entre a ilustração para crianças e adultos, o que nos permite, muitas vezes, a obliteração dessa linha.
O livro parte de duas narrativas tradicionais, as chamadas Rimas de Berço – “In the Dumps” e “Jack and Guy” – contando a história de uma criança sem-abrigo, levada por ratazanas gigantes e que se defronta com uma dupla – João e Rui – onde ecoam memórias da dupla que assedia Pinóquio, a raposa e o gato matreiros. O ambiente conseguido por Sendak evoca uma genealogia que agrega William Blake, Shaun Tan, Will Eisner mas também Bordalo Pinheiro ou Quentin Blake, o ilustrador que trabalhou em dupla com Roald Dahl.
Maurice Bernard Sendak (1928 – 2012) nasceu em Brooklin, filho de judeus polacos. Viu muitos dos seus familiares serem devorados pelo Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial, o que haveria de ajudar a definir a sua personalidade e a sua arte para sempre.
Há um lado severo nas descrições das criaturas, mas que parece coexistir com uma condenação, uma apreciação dúbia digna de um quadro de Hieronymus Bosch, entre a denúncia e a exaltação. “Recuso-me a mentir às crianças”, lançava ele na sua última entrevista, publicada no The Guardian, em 2011.
O dinheiro, a solidariedade, a intrínseca maldade humana, o desespero, as grandes opções da Humanidade que ditaram uma moral colectiva que desvaloriza a dimensão humana para relevar uma sobrevivência cega e feroz, de tudo isto é feito este livro perturbador, tão actual como os temas que sobrevoa (foi lançado inicialmente em 1993). Na já referida entrevista confessava: “Sou totalmente louco, eu sei disso. Não digo isto para parecer um espertalhão, mas sei que essa é a essência do que torna o meu trabalho bom. E sei que o meu trabalho é bom. Nem toda a gente gosta, tudo bem. Não o faço para todos. Ou para ninguém. Faço porque não posso deixar de fazê-lo. “
João Morales