O Zen e a Arte da Escrita
Ray Bradbury
Cavalo de Ferro
160 páginas
14,30 euros
Há uma linha de continuidade, uma nota positiva constante, um incentivo através do exemplo pessoal, elementos que cruzam estes textos escritos ao longo de trinta anos. A postura de Ray Bradbury não se acantona numa pedagogia literária nem na utilização do seu sucesso para promover a ideia da glória literária. O objectivo das suas palavras passa pelo assumir de como aquilo que foi inventando, já fazia parte do seu universo pessoal, das suas memórias, dos seus receios e ambições, justificando a escrita a utilização destes elementos.
«Se estão a escrever sem entusiasmo, sem prazer, sem amor à escrita, sem se divertirem, estão a ser escritores pela metade. Ou seja, estão preocupados com o que vende ou de tal maneira dependentes do que pensa a capelinha avant-garde que não estão a ser vocês mesmos. Tão pouco sabem quem são, na verdade. Porque, antes de tudo o mais, um escritor deve ser entusiástico. Deve ser de febres repentinas e deve empolgar-se com as coisas. Faltando-lhe esse vigor, mais vale que se dedique à apanha do pêssego ou a cavar: sabe Deus que lhe fará melhor à saúde», escreve Bradbury no texto “A alegria de escrever”.
Partilhando connosco algumas memórias e aspectos que desencadearam textos hoje famosos, reflete ainda sobre a condição da Ficção Científica, parente pobre da Literatura há muito, género visto com desconfiança pela comunidade académica, o que tem consequências na sua difusão perante novas gerações de leitores. «Afinal nas décadas de 1020 e 1930, nem um programa escolar no mundo incluía livros de ficção científica (…) O que encontraria alguém quem em 1932, 1945 ou 1953, atravessasse a América de carro e fosse entrando nas bibliotecas públicas? Nada de Edgar Rice Burroughs. Nada de L. Frank Baum; Oz, nem vê-lo. Em 1958 ou 1962, tão-pouco teria encontrado Asimov, Henlein, Van Gogt ou (cof! cof!) Bradbury».
Em contacto com as histórias que rodeiam a sua criação literária, percebemos de forma inequívoca como Bradbury – autor de livros obrigatórios, como Fahrenheit 451 ou Crónicas Marcianas – não é um escritor de Ficção Científica, mas sim, antes de tudo o mais, um Escritor. Uma das mais tocantes narrativas deste livro é a reconstituição da criação do seu mais famoso trabalho, Fahrenheit 451, escrito em máquinas de aluguer, na Biblioteca da Universidade da Califórnia. «Entre inserir na ranhura as moedas de dez cêntimos, ficar de cabeça perdida de cada vez que a máquina encravava (porque lá se ia o precioso tempo!) e pôr e tirar as folhas da máquina, de vez em quando ia lá acima. E punha-me a deambular pela biblioteca, perdido de amores – passeava pelos corredores, entre as estantes, tocava neste e naquele livro, puxava um ou outro da prateleira, folheava-os e depois devolvia-os ao lugar, mergulhado no tesouro que é a essência de qualquer biblioteca. Não podia ter escolhido melhor lugar para escrever um romance sobre um futuro em que os livros são queimados, não vos parece?»
João Morales