JAZZ 2020: UM CORETO BEM COMPORTADO, por João Morales

© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

O Jazz 2020, festival que substitui este ano o Jazz em Agosto, abriu com o colectivo Coreto. Aprumados e competentes, mas sem o rasgo e o risco que sublinhariam o optimismo com que avançámos para o anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian. 


João Morales 

O aumento do número de colaboradores que durante cerca de meia hora orientaram o público até aos lugares certos, todos de máscara (apesar de estarmos ao ar livre), espectadores e funcionários, não deixava margem para dúvidas: um concerto na Era Covid. 

Como já muitos sabem, a pandemia que se faz sentir internacionalmente também afectou o Jazz em Agosto. Impossibilitada de contar com músicos vindos do estrangeiro, a Fundação Calouste Gulbenkian suspendeu o festival e trocou-o pela iniciativa Jazz 2020, em parceria com duas associações: Jazz ao Centro (de Coimbra) e Porta-Jazz (do Porto). 

E foi pela mão da – também – editora da Invicta que chegou, a 31 de Julho, ao Anfiteatro, o grupo escolhido para estrear este festival, completamente preenchido com músicos portugueses ou residentes em território nacional. Coreto, assim se designa este projecto, com 12 músicos em palco – piano contrabaixo, bateria, guitarra, quatro saxofones, dois trompetes e dois trombones. 

O essencial deste agrupamento, herdeiro das orquestras de Jazz, mas com uma linguagem actualizada, sem que isso implique uma postura permanentemente experimentalista ou assumidamente atonal, passa pela riqueza dos arranjos e pelo entrecruzar dos seus músicos, assegurando uma manta de matizes semelhantes, que acolhem o carisma próprio de cada um. 

O ambiente sonoro inicial quase remetia para o genérico de uma série policial, nórdica possivelmente, e rapidamente se evidenciou a dinâmica colectiva que norteia o grupo, numa actuação que, a espaços, faria evocar nomes como Gil Evans ou George Russell, pela forma como trabalharam colectivos de músicos em ambiente Jazz, sem nunca alinhar numa postura histriónica, mas mantendo um grau de originalidade considerável. 

Durante o primeiro tema, “Raiz”, Ricardo Formoso destacou o seu trompete, melódico mas incisivo, acompanhando o tapete móvel que a restante parafernália de metais lhe oferecia. Depois, “Sob Escuta” iniciou-se com solos e riffs, sublinhado novamente a importância da escrita nesta música, mas também de uma aperfeiçoada cumplicidade. 

Susana Santos Silva solou, mas nunca se destacou ao longo da noite, possivelmente por ser aqui convidada, e líder de outro agrupamento, no dia seguinte. Ao longo de outros temas, com títulos como “Rádio”, “Transistor” ou “Curto-circuito” fomos conhecendo melhor o contrabaixo de José Carlos Barbosa, o piano de Hugo Raro, o tenor de Hugo Siríaco ou, a merecer algum destaque, o trombone de Daniel Dias e a bateria sincopada de José Marrucho, que nos mostrou como minimalismo não é sinónimo de recursos reduzidos. Alguma condução ia sendo assegurada pelo saxofonista e flautista João Pedro Brandão. 

Apesar da competência, não se pode afirmar que tenha sido uma abertura espampanante, antes um desfilar de bom comportamento, até pouco habitual neste espaço, pelo mês de Agosto. Num tempo em que o contacto físico está cerceado, a ansiedade paira sobre as cidades, a distância entre as pessoas deixou de ser uma metáfora e a frieza do virtual cibernético tomou conta do nosso quotidiano, será bom que os restantes convidados para este Jazz 2020 tenham a capacidade nos arrebatar e insuflar. E como precisamos de um bom sopro divino… 

© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
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© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

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