Ascensão da Água
Samuel Pimenta
Editora: Labirinto
Opinião: Faz quase 11 anos que descobri o autor português Samuel Pimenta. Quando penso nisto, e quando penso em todo o seu percurso e todos os momentos que nos juntaram, há um pequeno arrepio que me corre pela espinha. O que começou com uma curiosidade em conhecer um jovem autor português, acabou por evoluir e tornar-se numa amizade de muito respeito e admiração. Nunca me vou esquecer da conversa franca que tivemos uma vez no Noo Bai e como me dei conta que estávamos, em tantos sentidos, a crescer ao mesmo tempo. Mas não é sobre a nossa amizade que vos escrevo, mas sobre a sua poesia que tanto admiro.
Na altura já discutíamos a importância da poesia, o seu papel na nossa literatura e como deve existir um exercício de interpretação e imagética íntimo ao leitor. A poesia pode ter origem no escritor, este ser a sua nascente, mas tal qual o rio que desagua numa qualquer paisagem intrépida, cada poema ganha uma nova forma em quem o lê. Ascensão da Água é a entrega perfeita deste exercício.
Mais do que isso, esta obra poética tem o poder de nos enraizar, de nos fazer voltar para dentro, para a nossa origem, ao mesmo tempo que nos obriga a desabrochar e a visionar o nosso caminho a partir de então. Existe uma beleza subtil e tocante neste caminho que começa na escuridão e desagua na luz.
“Diante da porta
vislumbro o teu rosto
e a escuridão.
Pedes-me os passos
do labirinto
e a vida do monstro.
Não tenho fio para voltar até ti.“
Em Um rasto de vida, de cura e de amor, podemos ler o texto que Samuel Pimenta leu aquando da cerimónia de entrega do Prémio Literário Cidade de Almada. Não só vale a pena ler o texto, como também temos um vislumbre da natureza mágica da alma dos poemas. Se o Samuel já é um ser, por si mesmo, que nos convida ao deslumbramento (é um ser humano como poucos outros e um escritor dotado de uma capacidade empática extraordinária), ao longo deste conjunto de poemas apercebemo-nos de como o amor (que o autor admite ser a força motriz desta obra), nas suas mais diversas formas, consegue ser o elemento mais transformador que temos ao nosso dispor.
“Sei como tocar a escuridão
e a dureza da pedra a impor fronteira
sem corromper a transparência
do meu nome.
A água é luz liquefeita
e tudo o que toca reverbera.“
Há um caminho que se faz através destas páginas que evoca um pouco o voyeurismo. Não só damos a mão ao Samuel desde o primeiro poema, acompanhando o seu percurso, como também somos testemunhos das suas dedicatórias. E cada dedicatória, na minha modesta interpretação, traça um marco neste universo fascinante e rico em emoções – boas e menos boas – que parece rodear o autor. Confesso que para mim a poesia é a única forma de escrita que verdadeiramente consegue, de forma desnuda, expressar o que vai nos assalta a alma.
Outra vantagem da poesia é precisamente poder ser-se livre de métrica e de preconceitos. Já lá vai o tempo em que nos ensinavam que a verdadeira poesia tem de seguir uma determinada dança, uma determinada rima. A poesia de Samuel Pimenta, a meu ver, corre livre como a sua alma e é um gosto enorme partilhar mais este trilho com ele. É um privilégio ter acesso a uma obra que nos permite uma certa purificação, uma certa cura, com uma ligação tão forte à natureza e à nossa ancestralidade. Deixo-vos com um último poema que, para mim, resume tudo tão bem.
Saber das raízes
foi saber do Lar.
Saber das sementes
foi saber da ascensão.
Saber das nascentes
foi saber do desejo.
Mas quando soube da palavra e dos poemas
aprendi a fala das bruxas.
E nunca mais vivi num mundo sem magia.