Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma [Darius Jones FluxKit Vancouver]

Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma

Este ano em versão reduzida, a presença do Bran Morrighan no Jazz em Agosto mantém-se. E começamos bem, com um dos mais aclamados saxofonistas do momento e um projecto que junta quatro cordas e uma bateria ao seu sax alto. 

Texto: João Morales

Fotos: Vera Marmelo / Gulbenkian Música

Darius Jones e o seu projecto conquistaram o anfiteatro ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian, amplamente preenchido, rendido à simpatia sonora – que se confirmou quando o músico se dirigiu ao público. O programa para esta noite da 40ª edição do Jazz em Agosto estava delineado, com as antenas apontadas para a apresentação da suite “FLuxKit Vancouver”, construída em quatro partes. E assim foi. Com algo mais, no final.

Unanimemente considerado um dos grandes nomes do Jazz actual (“capaz de «rajadas» articulados e fugazes, bem como sequências equilibradas, confirma que é um dos saxofonistas mais interessantes dos nossos tempos”, escreveu – acertadamente – o português Filipe Freitas no site Jazz Trail, justamente a propósito deste álbum), além dos discos que tutelou, Darius Jones tem deixado a sua marca em álbuns de gente como William Parker, Sabir Mateen, William Hooker ou os Ceramic Dog, de Marc Ribot.

O conceito que nos trouxe, lançado em álbum em 2022, nascido de uma encomenda do Centro de Artes Western Front, em Vancouver, junta elementos de Música de Câmara, com a improvisação fluída do soprador que lidera o combo, algumas passagens com um cheirinho de Jazz-Rock, contando com a experiência e valências criativas de todos os intervenientes.

Logo no início percebemos como Gerald Cleaver, o baterista, será fundamental na definição do ritmo e do ambiente sonoro que impera a cada momento. Um músico extremamente competente (tem deixado a sua marca em diversos trabalhos com Mathew Shipp ou profícuo saxofonista brasileiro Ivo Perelman), sem alaridos exibicionistas. Aliás, um dos factores que marcam todo o concerto é a extrema unidade conseguida entre todos os elementos do sexteto, congregando em si uma espécie de mecanismo orgânico que respira a uma só voz, mesmo quando ela é construída por duas facetas (o que acontecerá, amiúde) – o naipe de cordas e o saxofone, em complemento.

Jones sopra em frases curtas e sincopadas, raramente se deixa arrastar para momentos de elevada continuidade. Mas quando o faz, transporta-nos consigo, espremendo a palheta com a mesma verdade com que nos encantou. Há um elemento constante de espiritualidade na sua música, nas suas ideias, que evocam outros territórios. Se a sua voz transporta heranças como a de Ornette Coleman (e até o formato escolhido para esta apresentação faz lembrar “Skies of America”), há também resquícios da procura de um Coltrane em final de percurso ou até da Mahavisnu Orchestra (na sua versão alargada de “Apocalypse”). E tudo faz sentido.

James Meger, o contrabaixista de serviço, já trabalhou com Kris Davis e Wayne Horvitz ou estevem palco com a Now Orchestra. Discreto, sem ser supérfluo, hipnotizante quando a conjuntura o pedia, também teve o seu tempo de improvisação a solo. 

A dupla de violinos esteve entregue a um par de irmãos, Jesse e Josh Zubot. Filhos de um baterista ouvinte de free jazz, estavam “condenados” à música. O seu papel no que escutámos é essencial, traçando linhas de orientação ao longo de várias passagens, alternado entre si a criação de um fundo com o dedilhar das cordas, correndo em simultâneo os arcos com a rudez pretendida para que se sinta, várias vezes em contraponto à doçura de Jones, contribuindo, em grande medida, para o ambiente vanguardista do início do séc. XX que várias vezes assomou perante nós.  

Claro, o trio de cordas contava com mais um elemento, um nome de peso na improvisação, um dos cartões-de-visita do Canadá.  Colaboradora reconhecida do baterista Dylan van der Shyff, do trompetista Dave Douglas ou do teclista Wayne Horvitz, cruzou-se com sumidades como Butcher Morris, René Lussier ou o “nosso” Carlos Zíngaro, com quem assinou “Western Front; Vancouver 1996”. Isto anda tudo ligado, como diria Eduardo Guerra Carneiro. E a violoncelista não deixou os seus créditos por mãos alheias, assinando alguns momentos de grande cumplicidade, quer com Jones, quer com a dupla de violinos que a acompanhava. 

Referiu-se a dimensão espiritual, e não por acaso. Ainda antes do encore (“não preparámos nada, esta é uma peça completa, que apresentámos, mas alguma coisa se arranjará para vocês”, ironizou Jones), ao apresentar a quarta parte da suite que serviu de trave-mestra ao concerto, o saxofonista (e compositor) explica-nos a razão do título dessa parte, “Damon and Pythias”, vindo de uma lenda grega. Pythias foi preso e pede ao Rei que o liberte, precisa de tratar de alguns assuntos. O Monarca aceita, na condição de alguém tomar o seu lugar, até ao seu regresso. Damon é esse alguém e, contra todas as expectativas, Pythias regressa, para assumir a sua palavra e as suas consequências. O Rei, abismado, liberta ambos. “E vocês, têm algum amigo assim?”, pergunta Jones ao público. Ao longo dessa peça, Darius Jones vogava pelo palco, tocando longe do microfone, mas já muito próximo de nós. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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