Diz quem já viu, que Mommy, o mais recente filme do realizador canadiano Xavier Dolan, é ainda melhor do que Tom na Quinta. Mommy tem vindo a conquistar a crítica e ganhou o prémio do júri no festival de Cannes deste ano, ex-aequo com Jean-Luc Godard (helás!). O que torna isto intrigante é que Dolan tem actualmente 25 anos, filma com mestria, e já tem, inclusivamente, uma filmografia relevante e coesa.
Dolan começou a dar nas vistas com o seu primeiro filme, J’ai tué ma mère, de 2009, onde, com apenas 20 anos, mostrou uma maturidade impressionante ao escrever, realizar e até representar num filme autobiográfico sobre o confronto da sua homossexualidade com a mãe. Esta maturidade não ficou por aqui e foi crescendo, também a nível cinematográfico, nos dois filmes seguintes: Heartbeats (Amores Imaginários, de 2010) e Laurence Anyways (Laurence Para Sempre, de 2012). Se Heartbeats, que Dolan também protagoniza, perde um pouco para o estilo, ainda assim belíssimo, Laurence Anyways, sobre uma mulher transexual, é brilhante. Escrever e realizar um filme destes com apenas 23 anos é a definição de prodígio. Já Tom na Quinta é mais contido, mas mais equilibrado, com uma profundidade psicológica mais subtil. O que lhe falta em exuberância não lhe diminui a força.
O ponto de partida da história é simples: Tom viaja até à quinta onde vivem a mãe e o irmão de Gui, o seu namorado que acabou de falecer, e aí fica hospedado por causa do funeral. Tom percebe entretanto que a mãe de Gui não conhece a verdadeira orientação sexual do filho, devido a uma fachada construída por Francis, o irmão. Não querendo avançar mais na história, digo apenas que o que se segue é um jogo cada vez mais desconfortável e inquietante entre Tom e Francis, com o aparente intuito de manter as aparências.
Mas o melhor do filme é que nada é assim tão simples. Os personagens nunca são só aquilo que parecem à primeira vista, e as relações entre eles vão revelando dinâmicas previamente escondidas. Isto, juntamente com a enorme evolução dos personagens, sempre verosímil e lógica, dão ao filme uma imbatível sensação de realismo.
Quanto ao resto, não há muito a dizer. A realização é segura e consegue manter sempre a tensão do filme, mantendo-se oculta por detrás do que realmente interessa à integridade da obra. O argumento (escrito por Dolan e por Michel Marc Bouchard, autor da peça de teatro com o mesmo nome em que o filme se baseia) vai perdendo a força narrativa mas cresce a nível psicológico, mantendo aceitavelmente o mecanismo do thriller. Por último, resta assinalar o excelente trabalho dos actores, perfeitos na composição dos personagens – principalmente o próprio Dolan no papel de Tom.
José Saramago disse, ao entregar o prémio com o seu nome a Gonçalo M. Tavares, que este não tinha “o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”. Talvez Godard possa dizer o mesmo de Dolan, que, salvaguardadas as diferenças, faz filmes tão bons com vinte e poucos anos que chega a ser injusto.
Emanuel Madalena