Tracklist: |
DISCO
O que começou como um teste de reverberação virou uma composição e inspirou um conceito. Em “a house in iceland”, Duarte Ferreira procura distinguir o genuíno do artificial, um exercício platónico, através de composições texturais e ambientais. Num cenário em que os álbuns se apresentam como colecções de singles, “MAHOGANY” prefere a narrativa, traçando uma viagem tão alegórica quanto real. Gravado num estúdio improvisado no seu quarto, de frente para uma estante com livros, álbuns e filmes, as gravações não escondem os passos, os sons da cadeira ou da roupa contra o corpo da guitarra, a que se juntam a reverberação e o lo-fi e fragmentos de Frank Lloyd Wright, John Coltrane e Manoel de Oliveira, entre outros. “a house in iceland”, a 16ª entrada no catálogo ZigurArtists, está disponível para download gratuito no Bandcamp e no Archive da editora.
Ficha Técnica:
Todas as faixas foram compostas e gravadas por Duarte Ferreira no seu quarto, à excepção da guitarra eléctrica, as teclas e coro, compostos e gravados por Gonçalo Brito e António Fontes no seu sótão e na sua sala, respectivamente.
Produção, mistura e masterização por Duarte Ferreira, com a excepção das faixas de guitarra eléctrica, produzidas por Gonçalo Brito.
Design gráfico por Mafalda Luz.
Opinião
Ainda o disco não tinha saído e já muito se especulava. A editora ia dando bocadinhos a conhecer, mas o que nós queríamos mesmo era a peça completa e quando chegou não desiludiu. Tenho ouvido este disco desde então, por vezes em modo repeat, não com um sentimento obsessivo, antes pelo contrário, com um sentimento de contemplação. Ao contrário do que estamos habituados em discos de estúdio, de som limpo que raramente é reproduzido ao vivo, em “a house in iceland” temos um trabalho muito humano, sensorial, em que apenas a visão real do cenário nos falta, mas que a nossa imaginação compensa com a sua especulação.
A cada melodia é fácil deixarmo-nos contagiar pelas samples que parecem funcionar como mote à interpretação sonora de cada uma. É um disco que nos leva a reflectir e a caminhar pelos meandros das nossas emoções, das nossas dúvidas e dos nossos desejos mais íntimos. Existe esta temática da liberdade que acaba por ser constante, que nos incita à descoberta não só de nós mesmos, mas do que nos rodeia. Existe esta narrativa, também motivada por cada título, que nos transporta para uma realidade que bem podia ser a Islândia, fria, introspectiva, mas atraindo sempre algo quente, um som que enterneça, que humanize todas estas questões da saudade, da solidão, do querer o próximo.
Não querendo cair no erro de me repetir, deixo as últimas notas para a beleza de todo este trabalho, de como o embate no nosso peito nos faz fechar os olhos, umas vezes sorrindo, outras vezes contendo o turbilhão de emoções que surge. «Enfim, tudo isto é aparência, é tudo casca. (…) E depois, pronto, fica tudo para trás.» Acho que somos uns sortudos ao termos gente tão talentosa no nosso país que não se prende ao que é clean e intocável, a roçar o artificial por vezes, mas que assume a sua natureza, com as suas imperfeições, numa abordagem em que a sinceridade e a genuinidade são tão intensas que conquistam à primeira. «O ponto de partida é o mesmo, o ponto de chegada é também o mesmo, mas pelo meio há um percurso completamente improvisado.» E terminada a jornada entre a acústica e a electrónica, o experimental e o ambiental, temos disco para marcar 2015 como nenhum outro.