Há poucos dias anunciei a saída deste álbum a 10 de Março e, por estar rodeada de gente maravilhosa e que com pequenos gestos me enaltece a alma, acabei por ter acesso em primeira mão ao conteúdo de Forgetting is a Liability, alguns dias antes de estar completamente disponível. Tive de me conter até ao lançamento para que, quando me atrevesse a falar desta preciosidade, vocês pudessem ter a possibilidade de a descobrirem por vós mesmos. A verdade é que desde que a ouvi pela primeira vez, não mais consegui deixar de o fazer, nem que fosse apenas uma vez por dia.
“Nothing ever ends” é a afirmação categórica da primeira faixa “Dust of Time“. É aqui que começamos a nossa viagem por Forgetting is a Liability e, desde logo, nos assoma o desejo de que o disco não acabe. A questão principal aqui, a meu ver, é que toda a descoberta se vai tornando sôfrega, ansiosa, impaciente por um clímax que, ao mesmo tempo, não queremos que chegue já, ainda há muito por sentir, por explorar.
Passamos para “Elective Affinities” e mais uma vez Mr. Herbert Quain mistura referências antigas com recentes, numa mistura que faz o nosso coração bater ao ritmo da música, que quando damos conta já nos movemos em sintonia – se não num plano físico, pelo menos num plano astral em que a imaginação nos transporta de onde estamos para uma realidade nossa completamente sensitiva. “All my life I’ve been scared. I didn’t want you to be scared.” E é neste compasso, que nos invade por dentro/que nos devora o peito, que ele nos abandona para a próxima música.
“Some rain will fall” é a grande amostra do quão mestre o Manuel se tornou na arte da samplagem. Com cinco contributos diferentes, de épocas distintas, ele consegue criar um som poderoso em que as vozes, e as próprias sentenças, fazem eco na nossa mente. É um convite a mergulhar numa dimensão mais reflexiva.
Dizem que no meio é que está a virtude e, seja coincidência ou não, é nesta quarta faixa “Now” que eu me sinto mais sintonia, equilibrada e completa. Dado todo o conceito do álbum e todo o sentimento de que para conseguirmos seguir em frente é preciso esquecer, confesso que foi nos próprios samples escolhidos para esta música que mais intensamente revi a urgência que temos do presente para nos proporcionar um futuro livre de amarras, de grilhetas, amplificando ao máximo a necessidade de libertação. Libertação do passado e do agora para se estar pronto para um novo amanhã. Está patente a dualidade, a indecisão, mas ao mesmo tempo uma única certeza “I’m not coming back.”
“Sorrow doesn’t live here anymore (I & II)” é o herdeiro de “Now” que nos pega pela mão e reinvoca o clássico “No Country for Old Men“, numa nova conjugação que converge numa miríade de memórias íntimas que foram e já não são. O ritmo compassado ameaça ligeiramente uma saborosa letargia, que nunca toma lugar, mas que se entranha.
Quem for verificar as várias referências de cada música, rapidamente se apercebe de que as samplagens e os títulos das músicas têm uma relação praticamente intrínseca. Nada é inocente ou deixado ao acaso e novamente prova disso é “The Confession“, um som que nos arrepia, uma voz que chega quase inesperada, e é quase como um baque na nossa consciência, na nossa possível dormência.
Em muitas mitologias/religiões/superstições, sete é um número repleto de magia. Ainda que não tendo nada qualquer relação com o sobrenatural, “After the waiting you’ll have it twice” seria uma boa desculpa para confirmar essa teoria. É com esta faixa que Mr. Herbert Quain dá por terminado o álbum que aborda todo o tema do esquecimento, como premissa para continuarmos vivos. É um dos meus temas preferidos principalmente pela sua energia. Oscilando entre momentos mais calmos e outros mais efusivos, é uma música que nos dá ânimo, que nos renova, mas que ao mesmo tempo, com as suas sentenças finais, nos faz reflectir sobre o repetir dos actos em relação a consequências passadas. “You can’t repeat the past.” “Of course you can, of course you can.” “Don’t you remember what happened?”
Adoro o trabalho do Manuel. É impossível não admirar as suas escolhas, as suas selecções tanto a nível cinematográfico como literário, a forma como compõe cada tema não deixando nada ao acaso a não ser a interpretação. Não duvidem, esta opinião é a minha interpretação de cada tema, do conjunto, de tudo o que senti enquanto ouvia o disco. Se calhar nem eram estes os seus propósitos, mas foram estes os meus pensamentos e as minhas divagações.
Mr. Herbert Quain é um projecto único, que vem dar uma vida que ainda não existe à música portuguesa e que, definitivamente, faz falta. Em si mesmo é uma obra de arte, pois consegue conter universos distintos que, ao som da música produzida, se harmonizam e encontram o seu apogeu dentro de cada um de nós à medida que vibramos com ele. Ele vai buscar o que ficou perdido no tempo, mistura-o com o actual e concebe o futuro. Um músico singular, este Mr. Herbert Quain, que só posso esperar que venha a prosperar muito e que lhe dêem o devido valor. Mal posso esperar pelas actuações ao vivo com o João Pedro Fonseca na projecção de imagens, estou curiosa com o resultado. Forgetting is a Liability tornou-se uma presença obrigatória na minha biblioteca musical. Esqueçam todos os conceitos pré-concebidos que possam ter sobre o que é música a sério e recebam este disco de mente aberta, o resultado pode ser surpreendente.
Disco e info sobre cada faixa: https://zigurartists.bandcamp.com/releases
Entrevista a Mr. Herbert Quain: http://www.branmorrighan.com/2014/03/entrevista-mr-herbert-quain-manuel.html