Conheci o Miguel Reis há pouco mais de um ano no café Império, na Alameda, para uma primeira entrevista sobre o seu último EP “5 Monstros”. O resultado dessa entrevista pode ser lida aqui, mas o que é certo é que para além de ter adorado esse EP e de falar com o Miguel, no 6º aniversário do blogue este fez-me ainda a surpresa de fazer um vídeo caseiro com a minha música preferida e ainda a dar os parabéns ao blogue. Podem ver isso aqui. Isso, por si mesmo, já mostra um carinho para com quem gosta da música dele que poucos têm. A sua paixão pela música, a sua dedicação, é tão transbordante e contagiante que não me espantou nada que 2015 se esteja a mostrar um ano tão positivo para ele, com todo o potencial para ser cada vez melhor. Já existe uma “Família Tio Rex”. Tio Rex tem passado por uma evolução brutal que só mesmo quem vai acompanhando consegue ter noção. Lembro-me da primeira actuação que vi: o Miguel sozinho com a guitarra, alguma timidez e nervosismo, mas sempre muita simpatia. Certamente também me lembro das últimas duas actuações: o Miguel com uma banda a complementá-lo e com um à vontade e dinamismo totalmente vibrantes. Ensaio Sobre a Harmonia é o nome do disco que tem dado mote a vários concertos pelo país que têm sempre um pouco dos trabalhos anteriores também interpretados. É com grande orgulho que digo que hoje em dia o fascínio musical se tornou algo ainda mais bonito e que o Miguel e a Marta, um dos seus pilares, são duas das pessoas mais incríveis que conheço e que sem a sua amizade eu não seria a mesma. Hoje fica a nova entrevista ao Miguel, brevemente também a Marta terá o seu destaque por aqui.
Fotografia Marta Banza |
Querido Tio! Já não conversávamos por aqui há algum tempo… Entretanto já lançaste um disco novo e andaste a tocar por locais bem bonitos. Consegues fazer assim um balanço muito rápido deste último ano, sob a tua perspectiva enquanto artista?
Tem sido um ano muito, muito bom!! Se por um lado as reacções que tivemos ao disco foram bastante boas, por outro também nos foi permitido apresentá-lo em plataformas propícias à transmissão da mensagem nele contida, que por sua vez fizeram com que as canções fossem ouvidas por mais gente e nos contextos certos. Falo sem dúvida do Bons Sons e do Trampolim da Gerador, que foram pontos fulcrais na promoção do disco, acrescidos às diversas outras datas que fizemos de norte a sul do País, onde é sempre um pouco mais difícil prever a afluência de pessoas aos concertos. Posso seguramente dizer que foi o melhor ano que este projecto já viu, muito por mérito de todo trabalho investido pelas pessoas incríveis que fazem parte da Família Rex, mas também é inegável que o apoio e entrega das pessoas que têm vindo aos concertos fazem com que tudo isto faça sentido e continue a crescer.
Achas que o teu percurso se tem tornado mais fácil ou é um desafio constante?
Sei que é um desafio constante. Ainda para mais no circuito da música independente. Mas ainda assim, acho bastante claro que, com cada concerto, cada disco vendido, cada amigo novo do projecto, cada pessoa que passa a saber quem sou e o que faço, a coisa cresce e espalha-se mais um bocadinho. Contudo, isso não invalida que existam diversos caminhos na “indústria” que ainda não conseguimos desbravar, apesar de haver cada vez mais gente a conhecer o nome, a validar o nosso trabalho e com vontade de nos ajudar. É uma luta permanente, mas que travamos com prazer e muito querer 🙂
Este ano lançaste Ensaio Sobre a Harmonia. Parece-me ser o trabalho que mais aceitação e propagação nos media teve. Também tens essa sensação? Ao que é que achas que se deveu?
Foi feita uma aposta grande neste disco, uma vez que o mesmo padece de um conceptualismo muito carregado, o que, ainda em estúdio, gerou logo algum receio quanto ao número de pessoas a que conseguiríamos chegar com o mesmo. Ainda assim, acho que sim, que posso dizer que o disco foi bem recebido! Talvez exactamente fruto desse conceptualismo. Senti que as pessoas sentiram a mensagem que quis passar, se identificaram com ela e a acharam digna de ter a exposição que teve/está a ter. Tudo o que fazemos em Tio Rex é-nos muito querido, verdadeiro e próximo, parte sempre do querer de alguém e resulta de 1 ou mais pares de mãos a materializar esse querer. Acho que isso confere uma qualidade humana, genuína e singular ao projecto. E a par disto, de disco para disco, vamos também conhecendo mais pessoas e fazendo mais amigos no meio musical, que, com gosto e fé, nos vão abrindo portas ao nível dos canais de distribuição em que os discos são promovidos.
Fala-nos deste disco, do seu conceito, de onde é que partiu a ideia e como é que consegues de forma tão, aparentemente, alegre abordar temas como a morte, a perda, a infância, o amor, a saudade, a amizade… Coisas que atravessam um espectro tão largo de emoções, mas que ao mesmo tempo parece inevitável não mantermos um sorriso no rosto.
Decidi logo ao início que o disco iria contar uma história com princípio, meio e fim com a passagem de tema para tema (como fiz no meu primeiro EP), e que essa história iria ter altos e baixos e abranger sonoridades diferentes umas das outras, mas que teria de existir, contudo, um fio condutor que as unisse. Daí a ter a ideia de enraizar cada tema num estado de espírito, e de esses estados de espírito estarem associados às minhas mudanças de humor ao longo de um dia em particular, foi um passo super orgânico. A minha música acontece em boa parte por força das circunstâncias. Há um par de frases que surgiu em conversa com o Pedro Franco dos Um Corpo Estranho que explica bastante bem a abordagem de ambos (minha e dele) à criação. “Quando estou contente, sem preocupações nem chatices vou beber copos com os amigos. Quando estou triste, vulnerável ou apreensivo, vou fazer canções.”. No fundo é essa a história do disco: A de um dia triste, vulnerável e apreensivo.
Em relação a como falo sobre os diferentes temas presentes no disco, isso passa sempre pela maneira como vejo e sinto os eventos que narro na canção, que materializam o tema sobre o qual estou a cantar. A morte, o passado e a perda de uma maneira geral, são coisas que não controlo. Ou porque já aconteceram ou porque é garantido que um dia, sem eu escolher, vão acontecer. Se não conseguir viver tranquilo com isso nunca conseguirei estar no presente a saborear o amor, a amizade e a saudade com toda entrega, carinho e apreço que merecem. E para deprimente já chega muita coisa no mundo em que vivemos, que ainda tem muito por onde melhorar.
Sabes que és dos poucos músicos que me faz chorar a cada actuação. Acho que esse tipo de efeito confere um certo poder a quem o provoca. Para ti, enquanto artista, como é saberes que tens este efeito nas pessoas? É consciente?
É algo que vejo como o validar do propósito com que comecei isto. Não suporto música que não me faça sentir nada. E, de facto, este ano houve diversas ocasiões em que levantei a cabeça enquanto tocava/cantava e vi muitas pessoas de olhos fechados e outras tantas às quais caiam lágrimas pelas sua caras… É bonito saberes que, aquilo porque largas tudo para fazer com o coração, está também a tocar o coração dos outros. Continuo a crer que o legado de cada um são as marcas que essa pessoa deixa nos outros. Quando vês isso a acontecer à tua frente, é inevitável saíres de um concerto sem o sentimento de “missão cumprida”. É gratificante e arrebatador.
Fotografia Eugénio Ribeiro |
Tocaste no Festival Bons Sons com a “equipa completa” e numa igreja belíssima a rebentar pelas costuras. Consideras que foi dos melhores concertos que deste? Como foi sentir aquela massa humana toda a aplaudir-te em uníssono?
Tendo em conta tudo aquilo que compõe um concerto (a qualidade do conteúdo apresentado, a qualidade do som, competência técnica dos artistas, o espaço e o público), sim. Foi sem dúvida o melhor concerto de Tio Rex até à data. Felizmente, não só, fomos bem recebidos em todos os aspectos técnicos pela organização do Bons Sons e do nosso palco em particular (MPAGDP), mas também houve uma entrega incrível por parte daquelas cerca de 200 pessoas, que estiveram connosco do princípio ao fim e nos abriram os seus ouvidos e corações. Neste projecto em concreto, acredito que as coisas só funcionam a 100% se quem nos ouve se entregar também. Sei que não faço música para dançar nem entreter, mas antes para pensar e sentir. E só quando o público entra contigo nessa onda é que se transcende o “simples tocar de instrumentos para quem está de fora ouvir”, e entras no espectro das sensações, das memórias, da emoção. Quando isso se dá, a Magia é desarmante. Lembro-me que estive umas boas 2 semanas a digerir todo aquele sentimento de comunidade e boas vibrações humanas.
Também foste ao MUVI dia 4 de Dezembro, o que reforça a ideia de que cada vez mais as pessoas estão curiosas com o teu trabalho. Mesmo sendo merecido, estavas à espera desta maior actividade?
Em relação ao MUVI em particular, poderia estar, mas na verdade não. É certo que este ano nos tratou muito bem, mas o MUVI trazia história. O que aconteceu foi que há cerca de um ano atrás tive o prazer de participar numa sessão da Sofar Sounds Lisbon, e o Filipe Mateus Pedro (Director Executivo do MUVI) esteve lá, viu o nosso showcase, gostou, comprou-nos 4 discos, e veio falar comigo dizendo que “para o ano falamos”. Diga-se que este tipo de abordagem pode acontecer virtualmente em qualquer concerto e, na realidade, só para aí 10 ou 15% destas casualidades se chegam a traduzir em algo. Mas o Filipe continuou a seguir o meu trabalho e a acreditar no projecto, e este ano concretizou aquilo que idealizou naquele fim de tarde na Sofar. Não posso deixar de estar super grato por haver, e ter vindo a conhecer, cada vez mais pessoas com este tipo de pro-actividade, palavra e acreditar, em tempos em que a desconfiança reina. Mas a amizade ganha sempre 😛
Lembro-me que quando falámos há coisa de um ano, a tua situação profissional dividia-se por temporadas para que pudesses fazer o que mais gostas: parte do ano para ganhar dinheiro para gravar, a outra metade a gravar. Continuas com o mesmo processo?
Acho que se pode dizer que sim. Apesar de ter estado afastado do mercado de trabalho desde o lançamento do 5 Monstros até agora, continua a ser difícil gerir uma carreira na música independente que seja sustentável a nível pessoal. Somos poucos a fazer o papel de muitos em Tio Rex (booking, management, label, design, fotografia, vídeo, gravação e produção, edições físicas..) e gosto das coisas bem feitas, com calma e a 100%, o que entra em conflito com a minha área profissional, que me puxa para trabalhos por turnos. Costumo dizer que o projecto se sustenta a ele próprio, mas não me consegue sustentar a mim. Pelo que 2016 vai ser um ano que passará novamente pelo esforço de conjugação do trabalho com a música, sendo que haverá, certamente, uma actividade mais reduzida em termos de tours e discos.
O que é que te continua a inspirar nas diversas composições?
O tempo, a vida, a morte, eu e os outros. Sempre. O que me rodeia será sempre alvo de filtragem e interpretação nos meus poemas e na minha música. Só assim consigo conferir significado ao estar aqui.
Temos algum novo trabalho à espreita em 2016?
Trabalhos para 2016: Pelo menos um disco muito cru e terreno, a meias com um amigo também com um projecto a solo, é mais que certo que estará cá fora lá para Fevereiros (banjoooo!!!). Há também planos para 2 EPs de projectos novos paralelos a Tio Rex. A vontade e o conteúdo existem!!! Se se reunir a disponibilidade e condições para os materializar, assim será 🙂 Contudo, trabalhos novos de Tio Rex em nome próprio, que já se encontram em diversas fases de concepção, só verão a luz do dia em 2017.
E pronto, como estamos a chegar ao Natal peço-te aqui como prenda uma mensagem para o blogue!
Muito Obrigado pelo apoio e afinco com que tu e o blog têm defendido Tio Rex desde que nos conhecemos, e que continuem todos a seguir o trabalho da incansável senhora responsável pela gestão dos conteúdos desta publicação, que tanto merece o nosso apreço como a nossa atenção, por tudo o que faz pela arte, a cultura, e quem a cria neste país. Feliz Natal e, se se sentirem predispostos a tal, ouçam o Ensaio Sobre a Harmonia 😛
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