um, dois, TRÊS!, e assim começa o novo disco do noiserv. Mais de dez anos de música talvez não fizessem prever o conteúdo de 00:00:00:00, mas, honestamente, conhecendo o artista e a sua sensibilidade, a surpresa só chega pelo facto de o disco, apenas em piano, manter tanto da personalidade “noiserv” que os trabalhos anteriores nos transmitiram. Dizemos adeus a uma orquestra infinita para saudar uma quantidade de teclas que também nos parece não ter fim, mas que fala ao nosso âmago. É um disco que me parece muito pessoal, que vai tacteando, começando com uma espécie de alegria inocente e expectante, em TRÊS e SETE. Depois vem SEIS, que a mim me parece marcar uma transição para um estado de espírito mais cauteloso, iniciando em QUINZE uma espécie de reflexão – Eu não quero ver melhor/Só não quero ver pior – continuando em ONZE o mesmo espírito mais soturno. Existe algo de muito especial na música de noiserv que, não sendo triste nem depressiva, nos faz expiar uma espécie de dor. Seja em relação ao desconhecido, ao que não conseguimos controlar e desejávamos, não sei. Hoje de manhã coloquei os headphones, aproveitei o sol maravilhoso que se faz sentir aqui na minha terra, e fui caminhar para perto do rio com este 00:00:00:00 a tocar. E pus-me a pensar nisto mesmo, no quanto esta sobreposição de pianos, na oscilação alegre e melancólica das harmonias, nos atinge em diversos patamares emocionais. E é muito bonito quando a música tem esse poder, essa capacidade de amenizar, ao mesmo tempo que provoca, esse contacto com o que trazemos ao peito. Às vezes são sorrisos, outras vezes são dúvidas, mas a inquietação está sempre lá. E chega VINTE E TRÊS – Olhar para trás sem medo de morrer/Não perder o que quero lembrar / Deixar cair para onde vais / Coisas simples e reais – com o regresso da voz grave do David, para reforçar essa mesma ideia. Foi uma boa surpresa este disco ser cantado em português. Acho que todo o contexto o pedia e quem segue o trabalho de noiserv, conhecendo o tema Palco do Tempo, tinha a curiosidade de voltar a ver o artista português a cantar na sua língua materna. Em QUATORZE as águas agitam-se um pouco e terminamos com DEZOITO, que no fundo, para mim, resume musicalmente e liricamente todas as emoções que se sentem ao longo do disco.
00:00:00:00 é um disco que, a meu ver, ganha vida própria no seu todo – estética visual, no artwork da capa, estética musical, na exploração emocional dos pianos, estética cinematográfica, no trabalho desenvolvido através dos vídeos lançados agora. Honestamente, mas é a minha maneira de sentir a música, talvez todo este texto fosse dispensável, afinal cada um sente as coisas à sua maneira e o que para mim pode ser transparente, para outro pode ser opaco e vice-versa. Resumindo, acho que está aqui um belo trabalho, acho que o homem-orquestra ainda agora começou a trilhar o seu caminho pelos pianos e só me resta esperar pela oportunidade de o ver ao vivo para testemunhar algumas destas canções a ganharem vida à sua volta.