Reportagem originalmente publicada no Música em DX:
https://www.musicaemdx.pt/2018/03/19/um-tipo-singular-com-novas-ocupacoes-na-galeria-ze-dos-bois/
Sexta-feira à noite, Bairro Alto, Lisboa. O tempo está frio e a chuva aparece quando lhe apetece. No entanto, quem entrou na sala de concertos da Galeria Zé dos Bois teve o privilégio de ao mesmo tempo entrar numa outra dimensão onde a emoção predominante se fazia sentir quente e familiar. TIPO, o projecto a solo de Salvador Menezes, apresentou o seu disco de estreia, Novas Ocupações, acompanhado dos seus companheiros dos You Can’t Win Charlie Brown. Entre sorrisos e improvisos ficámos a conhecer os dez temas que compõem o disco e ficámos também com a certeza que a capacidade criativa de TIPO é tão singular quanto pessoal.
Munido da sua guitarra de três cordas e dos seus quatro companheiros “de guerra”, TIPO iniciou o concerto com o seu mais recente single, “Confesso”. Não sei se já ouviram o disco, mas Novas Ocupações vale a pena ser apreciado. As sonoridades instrumentais são tão variadas quanto as tonalidades vocais do Salvador e ao vivo testemunhamos isso com uma energia e força muito singular. TIPO decidiu dar o peito às balas e arriscou expor-se, permitindo uma proximidade muito intimista. Não queremos saber se ele realmente imitou ou não as suas referências, pois cada segundo do seu trabalho tem uma personalidade muito própria.
O bom de se tocar numa sala que é grande quanto baste é que se o público tiver várias pessoas amigas dos músicos em palco, o ambiente é logo outro, tornando-se informal e libertando assim possíveis pressões ou nervosismos. Prova disso mesmo foram os vários momentos de partilha de risos e sorrisos nos intervalos das canções e das interacções directas do Salvador com o público – “eu conheço quase toda a gente que está aqui” – identificando cada um que se manifestava.
À parte feito, não posso deixar de referir a complexidade bela e fascinante da execução das composições apresentadas. Os ritmos não são lineares, há muitos pormenores e minúcias a ter em conta, mas os “Charlies” estiveram, como sempre, à altura, ajudando a que a noite se tornasse ainda mais especial. De todos os temas tocados (alinhamento no final do texto), admito que o meu preferido continua a ser “Novos Ofícios”. Devido a alguns imprevistos, a mulher do Salvador não conseguiu estar presente quando esta foi tocada, mas se há coisa para a qual os encores servem é precisamente para rematar e arrebatar quando necessário, por isso este foi o tema escolhido para ser repetido e, assim, devidamente partilhado com quem teve um papel fundamental no mesmo. Não sei se já deram conta, mas um dos ritmos que ouvem durante a canção é um sample do batimento cardíaco da sua filha. Se há músicas com vida, esta certamente transborda também admiração e carinho. Antes do encore, o concerto terminou com Querela de Vizinhas, que TIPO explica que surgiu de ter ouvido, literalmente, vizinhas a discutir. Ao vivo esta discussão não é reproduzida, mas se forem ouvir o disco o tema começa precisamente com a voz das vizinhas.
Por todos estes pormenores, Novas Ocupações revela-se uma experiência extremamente bem conseguida e cheia de alma. É caso para agradecermos ao aborrecimento do Salvador e ao seu descontentamento com o seu trabalho há três anos atrás, altura em que começou a compor estas canções. A música portuguesa tem conhecido intervenientes muito especiais que têm estado dispostos a sair do convencional e que têm obrigado as pessoas a arriscarem sair da sua zona de conforto musical. No caso de TIPO, o risco vale a pena. Em pouco tempo as canções tornam-se “casa” e ganhamos mais um conforto original do qual nos podemos rodear e, quem sabe, no qual podemos ver-nos reflectidos.
Alinhamento
Confesso
Acção-Reacção
Desfecho
Fim do Dia
Género Desconhecido
Novos Ofícios
Autocomiseração de um Desempregado
Artigo Indefinido
Jugoslávia
Querela de Vizinhas
Texto – Sofia Teixeira | BranMorrighan
Fotografia – João Rebelo