Eu, Louco
Antonio Altarriba (argumento) e Keko (desenhos)
Ala dos Livros
136 páginas
22,90 euros
Ángel Molinos trabalha para um Observatório de Transtornos Mentais, define perfis psicológicos que sustentem a existência de novas patologias, o que, por sua vez, permite avançar com novos medicamentos. A sua empresa chama-se Otrament e está associada a uma gigantesca farmacêutica, a Pfizin.
Eu, Louco (publicado entre nós pela Ala dos Livros), o mais recente trabalho da dupla Antonio Altarriba (argumento) e keko (desenhos) prossegue a trilogia iniciada com Eu, Assassino (edição portuguesa da Arte de Autor) e revela-se como um projecto bastante ambicioso de crítica social e política, colocando à prova algumas das realidades que temos como adquiridas na nossa forma de viver contemporânea. Se, no livro anterior, Altarriba ataca o terrorismo de Estado e subtilmente questiona os limites da violência, desta vez o alvo são os gigantes da farmacêutica, mas também toda uma sociedade conivente com essa posição.
Se a farmacêutica é uma evocação óbvia de uma conhecida multinacional a designação da empresa onde o protagonista trabalha pode ser desconstruída em duas palavras, cuja sonoridade será “outra mente”. E nem o apelido de Ángel é inocente, ele que se diz a lutar contar “moinhos [molinos] de vento”.
Molinos é um dramaturgo frustrado e inconsequente; esta é uma outra forma de criar personagens e dirigi-los. E a uma escala completamente diferente. «Para que a Pfizin venda mais medicamentos, a Otrament tem de inventar mais doenças», lemos.
Diversos elementos fazem a ligação entre os dois volumes desta trilogia, que deverá encerrar com o já anunciado Eu, Mentiroso. No primeiro, havia pequenos apontamentos de vermelho nas páginas a preto e branco. O vermelho do sangue deu agora lugar ao amarelo da loucura. O contraste entre branco e negro tornou-se mais acentuado, o traço mais rígido. A presença do ocultismo, a enorme quantidade de referências a obras de arte e ao mundo da cultura ajudam a criar o ambiente e alimentam a confusão entre realidade e fantasia.
Há personagens que regressam, como Cristina Saez de Aberasturio – desenhadora, mulher de Enrique Rodríguez, o assassino do primeiro título. É ela que nos diz como «o sexo não deixa de ser um fruto envenenado». Aliás, essa poderá ser a chave para resumir este livro – uma reflexão profunda da combinação e confronto entre Eros e Thanatos, os mais reais e marcantes polos da existência humana.
João Morales