[Diário de Bordo] Voltar ao passado

Voltar ao passado

A semana passada recebi uma mensagem, no meu perfil pessoal do Facebook, com um par de fotografias e a pergunta se a pessoa naquelas fotografias era eu. E era. Voltar ao passado. Uma Sofia com uns 13 ou 14 anos, na altura em que jogava basquetebol e praticava dança aeróbica, participando em torneios regionais e nacionais, tendo sido até vice-campeã nacional de dança aeróbica. As fotografias retratavam tempos em que com o desporto escolar lá nos enfiávamos dentro de autocarros, davam-nos sacos-cama e dormíamos em chãos de pavilhões algures pelo país. Os sorrisos, as noitadas a comer bolachas enquanto jogávamos um jogos quaisquer que não éramos suposto. A alegria de um tempo em que as preocupações eram se fazíamos tranças e qual seria a t-shirt comum que iríamos usar.

O meu percurso no ensino básico teve ar de que foi fenomenal, mas a verdade é que para mim foi uma luta constante de sentimentos mistos. Eu era inteligente, tirava boas notas, a maior parte dos professores gostavam de mim, eu era bem sucedida a educação física e a matemática, era uma nódoa a educação visual, mas suficiente boa para lá sacar o 4, e tanto era odiada como adorada pelos meus colegas. Provavelmente convosco foi a mesma coisa, mas na minha altura enquanto que os rapazes se davam todos bem, as raparigas formavam ilhas que raramente tinham travessias entre si. E aí começou a saga da a Sofia ser uma ilha por si mesma que gostava de visitar as outras ilhas sem se comprometer em ficar numa muito tempo, porque afinal havia um mundo inteiro por descobrir.

Mais tarde, no basquetebol, foi a mesma coisa. Lembro-me de estar num europeu, de haver um conflito interno e de me sentir pressionada a tomar uma posição, um lado, que eu não queria tomar. Mas quando somos crianças e adolescentes, tudo parece o fim do mundo, ou estás comigo ou contra mim (é por isso que há pessoas que nunca crescem, porque temos imensos adultos que ainda são assim), e nessas alturas lá a Sofia se tentava tornar numa ilha novamente. Por diversas razões e circunstâncias, sempre fui aversa ao conflito. Sou muito emotiva e vivo as coisas muito intensamente e nunca suportei desigualdades ou injustiças. Graças a isso fui ganhando algumas alcunhas ao longo da minha vida, mas lá arranjei maneira de viver com elas.

Estava aqui a pensar se faria uma ponte com a minha idade adulta, mas não, vou-me focar aqui no início da adolescência que me parece uma altura chave na formação da minha personalidade. Ser-se bom a tudo é uma experiência um pouco bipolar. Por um lado temos a família, os professores e os treinadores super orgulhosos, por outro lado temos alguns colegas a dizer “metes nojo”, a fazerem-te frente, etc. Se a isto juntarmos que eu era mais alta do que toda a gente – acreditem, isso na altura era também um problema – e rapariga, juntamos também a malta mais velha, que chumbava e ficava para trás, a fazer-me peito “quem é que tu pensas que és?”. E então lá estava a Sofia de 12 anos a fazer frente a um matulão de 15 que decidiu que eu seria o seu próximo alvo.

Engraçado como um par de fotografias de repente trazem memórias há tanto enterradas, não é? No entanto, tem também um efeito terapêutico que me traz muito orgulho à forma como ainda assim arranjei maneira de ir navegando a adolescência. Por exemplo, aos 16 anos tive de mudar de clube de basquetebol, porque o meu clube local não tinha equipa para essas idades. Nesse novo clube, por ser uma das melhores jogadoras, não só comecei a jogar nas juniores desse clube como entrei directamente nas seniores, na altura na Primeira Divisão, e praticamente a jogar de início e a tempo inteiro. Ou seja, chega uma garota nova àquele clube e de repente toma o protagonismo de duas equipas? Demorou o seu tempo até conquistar o meu espaço e o respeito das minhas colegas, mas honestamente limitei-me a fazer o que eu mais queria – jogar basquetebol o melhor possível.

Nem sempre foi fácil. Estes ambientes voláteis da adolescência fizeram com que as chamadas à selecção fossem tanto uma alegria imensa como uma fonte de ansiedade brutal. O que eu chorava às vezes, sem saber porquê, afinal eu ia jogar basquetebol, e o stress que aquilo me provocava. Claro que ser alvo de bullying ocasional não ajudava. Mas já estou a misturar uma série de memórias que estou, muito honestamente, a pensar dissecar numa série dedicada ao meu percurso no basquetebol. Como não foram só rosas, talvez venha a ajudar outras adolescentes que estejam também elas a descobrir qual o seu lugar no meio disto tudo. Isto porque é óbvio que também tive muitos momentos de conquista e de delírio que fizeram com que tudo valesse a pena.

Deixem-me acabar numa nota engraçada para aliviar um pouco isso. Nem tudo foram rosas, mas também nem tudo foi mau. E claro que, como adolescente, também as paixonetas fizeram parte do repertório. Aquelas duas fotos e o grupo onde foram publicadas fizeram com que encontrasse uma pessoa do meu passado de quem gostei imenso e com quem perdi o contacto depois de ter ido para a universidade. Precisamente nos anos daquelas fotografias ele era aquele pessoa que passava imenso tempo comigo a jogar basquetebol nos campos da escola ou com quem tinha longas conversas sentados nas bancadas. Voltámos a falar e parecia que não tinha passado tempo nenhum. Parece que há memórias que merecem voltar em troca de outras que nos ajudaram precisamente durante esses tempos mais difíceis.

The only way out is through. Robert Frost

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Pedro
Pedro
3 anos atrás

É curioso perceber hoje como, olhando para trás (no meu caso para o início dos anos 90), o registo de bullying no ciclo (nunca tive a experiência de um clube, mas não creio que fosse tão diferente assim), era tão “violento” e impactante. Era uma verdadeira prova de resiliência interior. Apenas chegado ao liceu houve uma certa inversão das regras, em que a geekyness e a diferença passou a ser mais valorizada, em que finalmente já poderíamos assumir interesses sem o anátema de não pertencer ao “rebanho”.

O teu texto fez-me voltar a algumas dessas memórias.

Vânia
Vânia
2 anos atrás

Acho que todos já passamos um bocadinho por essa vertente de não nos encaixarmos em lado nenhum. No meu caso foi na fase da Universidade. Para mim o secundário foi óptimo, ainda que lá para o fim me tenha chateado com as minhas amigas e virou-se tudo contra mim. Depois lá “superei”. É verdade, estas coisas pareciam o fim do mundo. Olhando para trás, na adolescência levamos tudo tão a peito e intensamente e que só mais tarde nos apercebemos que não era assim tãaaao grave quanto nos parecia então.
Percebo perfeitamente as tuas recordações ao ver essas fotografias 🙂

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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