O Jazz em Agosto está de volta. Abre com três nomes absolutamente históricos, Peter Brötzmann, Alexander von Schlippenbach e Han Bennink, mas rapidamente demonstra porque é o nosso guia de viagens para as novas paisagens da improvisação internacional.
Precisamos de boas notícias, e o regresso do Jazz em Agosto à Fundação Calouste Gulbenkian é, sem dúvida, uma excelente notícia. A 37ª edição deste histórico e inigualável festival arranca com um concerto evocativo dos 50 anos do lançamento de um dos álbuns fundamenais na consolidação do Free Jazz, Machine Gun. Em palco, um trio de veteranos, os alemães Peter Brötzmann (saxofonista) e Alexander von Schlippenbach (pianista) e o holandês Han Bennink (baterista). Um arranque a todo o vapor, dia 29 de Julho, às 21h, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. Aliás, refira-se desde já que, devido às obras de renovação que decorrem no Jardim Gulbenkian e no Centro de Arte Moderna, a 37ª Edição do Jazz em Agosto acontece dentro de portas com os concertos da noite a realizarem-se no Grande Auditório e os da tarde no Auditório 2. O grafismo do cartaz foi entregue ao próprio Peter Brötzmann, acentuando ainda mais a homenagem merecida.
Prosseguindo, por ordem de calendário, no dia seguinte o final da tarde pertence ao trompetista Luís Vicente, em solo absoluto, responsável por um disco recente neste mesmo formato, Maré, com a chancela Cipsela Records, lançado em 2020. E a noite será do agrupamento The End, que junta os saxofonistas escandinavos Mats Gustafsson e Kjetil Møster (ambos contribuindo também na faceta electrónica das sonoridades), juntando-lhes Anders Hana (em guitarra barítono, e langeleik, um instrumento de cordas tradicional norueguês) e o baterista Børge Fiordheim. O quinteto fica completo com a voz de Sofia Jernberg. Gustafsson é um visitante habitual do certame, e já nos habituou à sua energia contagiante, pelo que, se espera uma noite plena de vivacidade e entrega.
Sábado, dia 31, descobriremos a peculiar dupla constituída por Ignaz Schick e Oliver Steidle. Cúmplices na cena undergroung alemã desde 2013, o primeiro recorre a um gira-discos e o segundo surge atrás da bateria e percussão, apoiando em alguma electrónica. As manipulações, o scratch e os ritmos possantes, articulados com recurso a linguagens herdadas de diferentes fontes, poderão ser uma das surpresas a ter em conta. Existe já um disco desta dupla, ILOG2, registado em Berlim, em 2020, que poderá servir de cartão-de-visita aos mais receosos. A noite junta o trio Ikizukuri com a trompetista portuguesa Susana Santos Silva (um nome que já conquistou o seu espaço), para nos apresentar a sonoridade fixada no disco Suicide Underground Orchid. O trio é constituído pelo saxofonista Julius Gabriel, o baterista Gustavo Costa e Gonçalo Almeida, no baixo eléctrico, um outro nome lusitano que se tem destacado, com uma sonoridade forte e imponente.
O primeiro dia de Agosto começa com um projecto exclusivamente constituído por músicos portugueses, o saxofonista e flautista João Pedro Brandão comanda Trama no Navio, ideia que nasce da formação criada para acompanhar O Couraçado Poutenkim, de Sergei Eisenstein, em 2019. Os seus quatro cúmplices serão Ricardo Moreira (piano e órgão), Hugo Carvalhais (contrabaixo), Marcos Cavaleiro (bateria) e as criações em vídeo de Alexandra Corte-Real. À noite, teremos o regresso de Mats Gustafsson, com The Fire! em versão de quinteto, com Johan Berthling (baixo elétrico), Andreas Werliin (bateria), Goran Kajfeš (trompete) e Mats Äleklint (trombone).
Dia 5, pelas 21h, o saxofone será o rei do palco. Pedro Moreira Sax Ensemble junta oito instrumentistas desta família (o próprio, ladeado por Mateja Dolsak, Ricardo Toscano, Daniel Sousa, Tomás Marques, Bernardo Tinoco, Francisco Andrade e João Capinha), acompanhados pelo contrabaixo de Mário Franco e a bateria de Luís Candeias. Two Maybe More, assim se chama esta apresentação, foi um espetáculo criado pelo realizador e encenador Marco Martins em parceria com os coreógrafos Sofia Dias e Vítor Roriz, e a participação do Coro Gulbenkian. Moreira regressa a essa composição, colocando o seu instrumento de eleição no centro das atenções, através de uma linha de trabalho que une composição e improvisação.
Sexta-feira, dia 6, início do segundo fim-de-semana do festival, arranca com um projecto sui generis da responsabilidade de Gabriel Ferrandini. O músico assume a bateria, a percussão, o trabalho com os amplificadores, encetando um diálogo com a electrónica de Miguel Abras e a escultura de Vasco Futscher. O quarto cúmplice anunciado é o técnico de som Helder Nelson. O que escutaremos parte do seu álbum a solo, Hair of the Dog, um dos que resultaram da residência artística levada a cabo na galeria ZDB.
Mais tarde, à noite, o palco será do projecto gizado pela guitarrista norueguesa Hedvig Mollestad, plasmado no álbum Ekhidna. Sonoridades herdadas do Metal, do Rock dos anos 70, da improvisação, mas também do Funky, do Noise ou até de alguma Dance Music, serão as responsáveis pela definição do ambiente musical esperado. A Torstein Lofthus (bateria), Erlend Slettevoll e Marte Eberson (ambos em piano elétrico e sintetizadores) e Ole Mofjell (na percussão) junta-se, mais uma vez, a trompetista Susana Santos Silva.
Penúltimo dia do festival, Sábado, 7, apresenta-se a percussionista Katharina Ernst a solo, numa abordagem onde a performance acústica surge suportada por camadas de electrónica e efeitos que lhe garantem um universo muito próprio e um acolhimento adicional, retirando a dimensão desértica que se poderia supor. Ritmos repetitivos e uma consubstanciação por camadas que garante uma entrada gradual no seu universo sonoro. Nessa noite, o Jazz em Agosto “fala” português, com o quarteto Anthropic Neglect, que junta o saxofonista José Lencastre, a guitarra eléctrica de Jorge Nuno, Felipe Zenícola, no baixo elétrico, e João Valinho, na bateria. Mais um projceto onde o Jazz e o Rock marcam presença, não forçosamente na sua forma mais natural, mas enquanto polos seminais da sonoridade que daí nasce.
Chegados ao último dia do festival, Domingo, 8 de Agosto, um trio ao final da tarde, novamente com uma presença relevante do factor eléctrico, cada vez mais evidente nas escolhas do cartaz. Norberto Lobo (em guitarra elétrica) e Norberto Lobo (na bateria), fazem-se acompanhar do contrabaixista e baixista Soet Kempeneer, que também arrisca algumas incursões pelos teclados.
O festival encerra nessa noite, com Roots Magic, agrupamento que alimenta a sua improvisação com doses sábias de blues e tradição, embora actualizando o léxico e a forma como essa tradição se manifesta. Depois dos dois primeiros álbuns lançados na Clean Feed, Hoodoo Blues e Salt Peanuts, chegou um terceiro, na mesma chancela portuguesa, pretexto para esta presença, Take Root Among the Stars. Desta feita, o palco é pisado em sexteto: Alberto Popolla (clarinetes), Errico De Fabritiis (saxofone alto), Gianfranco Tedeschi (contrabaixo), Fabrizio Spera (bateria), Eugenio Colombo (em flauta) e Francesco Lo Cascio (responsável pelo vibrafone).