JAZZ EM AGOSTO 2021 – BROKEN SHADOWS – Ornette is in the House!

BROKEN SHADOWS
Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

O mais recente projecto de Tim Berne, o quarteto Broken Shadows, celebra a música de Ornette Coleman porque, o que é genuinamente novo, nunca envelhece. A primeira noite do Jazz em Agosto 2021 foi uma demonstração de como é importante conhecer o passado para ter razão no presente. Excelente! 

João Morales

Se um pequeno marciano tivesse acabado de aterrar entre nós e, alimentando uma curiosidade natural, pretendesse descobrir ao que soa o Jazz, o concerto de Broken Sahdows, projecto recente conduzido por Tim Berne, criado para reviver e homenagear as composições desse génio maior que foi Ornette Coleman, seria uma óptima oportunidade. Depois do concerto inicial (o trio-maravilha que junta Peter Brötzmann, Alexander von Schlippenbach e Han Bennink) ter sido cancelado, o festival abriu na tarde de dia 30 com um solo do trompetista Luís Vicente. Mas esta foi a escolha do programador Rui Neves, para a primeira noite de música, em substituição dos The End, igualmente cancelados.

“Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir, mas sim uma maneira de ser”, escreveu José de Almada Negreiros. Pois, é com uma enorme elegância, que o quarteto, com Berne em saxofone alto, Chris Speed em tenor, acompanhados por dois terços dos Bad Plus, Reid Anderson, em contrabaixo, e Dave King, na bateria, entraram em cena (e a abertura da cortina em fundo, com a luz final do dia a permitir ainda ver o jardim no exterior, num ano em que todos os concertos decorrem em salas interiores, pede bem esta expressão). 

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

A sombra de Coleman é evidente, como será ao longo de todo o concerto, criando um equilíbrio entre a forma do Jazz que estava para vir e a actualização do discurso e da abordagem, tendo em conta que os músicos em questão, não só conhecem bem o trabalho de onde partem, como são já protagonistas de um percurso avantajado, o que lhes implica a integração de um vocabulário não só próprio, pessoal, como bem artilhado.

A limpidez do reportório foi respeitada, da mesma forma que a sua flexibilidade sabiamente explorada (de uma forma bem distinta do que Berne já tinha feito na companhia de John Zorn, com quem gravou Spy Vs Spy, disco constituído por composições do autor de álbuns seminais, como The Shape of Jazz to Come, Tomorrow is The Question ou Change of The Century, ainda no final da década de 50).

Berne flutua com facilidade por cima das melodias e dos riffs, os dois sopros, ora nos brindam com conjugações sábias, em apenas aparente uníssono que, no fundo, constituem um diálogo em que cada um completa a intervenção do outro, como nos brindam com solos límpidos e certeiros. Speed mostra-se um parceiro seguro na linha da frente, com uma libertação ascendente ao longo do concerto (que se estendeu por uns generosos 90 minutos). O swing e o pós-bop, com ampla margem de manobra para a improvisação e apropriação, fizeram a sua parte, numa refeição sonora de qualidade requintada, confecionada por mãos sábias e ouvidos – muito – bem alimentados. 

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

David King confirmou-se como um músico irrequieto, desde o início, assegurando uma pulsação desafiante, mesmo em passagens aparentemente mais calmas, recorrendo a ritmos rápidos e passagens bruscas, evocando estilistas como o já referido Bennink ou o seu contemporâneo Joy Baron, demonstrando uma enorme expressividade, entrega, e até humor, num sentido alargado do termo.

Reid Anderson completou adequadamente o quadrilátero, com alguns momentos a solo, passagens com arco, e ocupando o centro das atenções durante a revisitação de um dos títulos icónicos do legado de Ornette, “Song For Che”, o tema que incendiou o palco do 1º Cascais Jazz, em 1971, quando foi dedicado «aos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau», pelo seu compositor… o contrabaixista Charlie Haden.

O penúltimo tema, peça icónica, “Lonely Woman”, representou um momento de comunhão entre os quatro e uma audiência há muito rendida, com a noite já plena em plano de fundo, um excelente trabalho de luzes a acentuar a convergência e a espiritualidade a fazer valer uma ponte intergeracional, que justifica o Jazz como uma dualidade constante entre transformação e coerência, tradição e modernidade, reencontro e surpresa.

Berne, assumidamente cansado (a presença deste projecto foi necessária há poucos dias), porém, visivelmente feliz. Tempo ainda para uma delicadeza, um encore de dois ou três minutos. Mesmo com as máscaras, o pequeno marciano parecia sorrir.

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