Mazurek apresentou-se como um maestro contemporâneo, com tudo o que isso implica na sonoridade. Um trabalho de conjunto, apresentado como tal, evocando o universo da Ficção Científica.
Texto: João Morales
Fotos: Gulbenkian Música – Vera Marmelo
A primeira coisa que saltou à vista no concerto da Exploding Star Orchestra, conduzido por Rob Mazurek foi isso mesmo. O trompetista aderiu, de forma cabal, à técnica de improvisação conduzida desenvolvida por Butch Morris ou John Zorn. Por isso, grande parte do espectáculo foi passada com o músico ao centro, distribuindo as instruções previamente codificadas com os seus músicos, lançando os momentos mais bravios ou as zonas de acalmia.
Sem interrupções, o agrupamento funcionou como um todo, o que, cada vez mais, parece ser uma tendência actual do Jazz, em detrimento dos vários solos que isolavam um músico durante minutos, uma da marcas-de-água deste género musical durante décadas. Claro que, em certas passagens (curtas), houve elementos a ganharem a sua ribalta, mesmo num clima integrado no colectivo, suportando a homogeneidade que ditou a apresentação durante todo o espectáculo.
Logo no início a orquestra assemelhava-se a uma caravana, chegando e assentando arraiais, mostrando a todos ao que vinham e como vinham. O baterista Chad Taylor (velho companheiro de estrada de Mazurek), apoiado por Mikel Patrick Avery, percussão, e John Herndon, nos ritmos electrónicos, construiu uma base sólida para o que se foi desenvolvendo ao longo da noite.
Diversas passagens viveram da influência latino-americana, embora tudo devidamente metamorfoseado pela envolvência e pelos ambientes devores da Música Contemporânea que pontuam alguns apontamentos mais efusivos. Noutros momentos, a sonoridade poderia evocar uma marcha imperial, mas tudo com o crivo da improvisação (contida e discreta, na maior parte das vezes) dos sapientes acompanhantes de Mazurek (um dos responsáveis do colectivo Chicago Underground, que foi ganhando a condição de “duo”, “trio” ou até mesmo “orchestra”, em diferentes gravações).
Em paralelo com Rob Muzarek, o elemento que, obviamente, mais destacou foi Damon Locks, homem que vem das artes visuais, do Ensino, da Música, e que, desde 2014, dá aulas sobre Arte no Prisons and Neighborhood Arts Project, iniciativa meritória do Stateville Correctional Center. Na véspera de se apresentar com o seu próprio projecto neste mesmo festival de Lisboa (Damon Locks Black Monument Ensemble) o artista – também – de Chicago foi recorrendo à electrónica e lendo diversos textos, num tom que evocava facilmente todo um imaginário entre a Ficção Científica e a exploração lunar, pelo vocabulário, mas também pela sonoridade adoptada. Os textos eram ditos através de um telefone analógico, devidamente conectado à restante aparelhagem. Contudo, a originalidade não se ficou por aí.
Mais ou menos a meio, levantou-se e começou, primeiro timidamente, a dançar de forma sincopada e bastante segura. Os movimentos robotizados e a contenção na coreografia encaixavam perfeitamente. Percorreu todo o palco em volta da banda e passaria quase todo tempo restante dessa forma, mesmo quando voltou a usar a palavra.
No colectivo encontravam-se, inegavelmente, outros músicos a reter na atenção. É o caso da flautista Nicole Mitchell (que na mesma tarde actuara com Moor Mother, dos Irreversible Entanglements, o colectivo que abriu o festival), da pianista Angelica Sanchez (que tem já um percurso impressionante, com colaborações com Tim Berne, Ivo Perelman, Mario Pavone, Trevor Dunn, Mark Dresser, Ed Schuller, George Schuller, Marilyn Crispell ou Daniel Carter), a violoncelista Tomeka Reid (também ela com ligação à vanguarda e colaborações de peso no currículo – Art Ensemble of Chicago ou Anthony Braxton), o vibrafonista Pasquale Mirra (parceiro de gente como Michel Portal, Fred Frith, Nicole Mitchell, Tristan Honsinger, Ernst Rijseger, Ballaké Sissoko, Buch Morris, ou Hamid Drake, com quem desenvolve um dueto há muito) ou o guitarrista Julien Desprez (referências? Charlie Haden, Mats Gustafson, Louis Sclavis, Benoit Delbecq, Tortoise, Han Bennink, Noël Ackchoté ou Marc Ducret, chegariam). A completar o leque, a enérgica trompetista Jaimie Branch (que dançou animadamente durante todo concerto), o contrabaixista Ingebrigt Håker Flaten (dos Atomic) e o saxofonista keir Neuringer (que, ao contrário da sua prestação na véspera, nos Irreversible Entanglements, se mostrou extremamente discreto).
Um longuíssimo aplauso da audiência levou ao regresso a palco, embora em versão muito reduzida, Rob Mazurek (com o seu trompete associado a diversos feitos) e Damon Locks (que retomou o ambiente sci fi das leituras anteriores). Parece que resultou!