“Ao viajar à noite num carro alugado, pelas curvas do Atlas, encontrei um cachorro no meio da estrada. Percebi que fora abandonado e que, muito provavelmente, morreria. Estava deitado, enrolado, a tremer de frio. Decidi trazê-lo para Portugal. Peguei nele ao colo. Era um cão malhado, inteligente e meigo. No comboio tive de o esconder dos revisores, entre malas, dentro de malas, com a ajuda de outras pessoas. Em Marraquexe enquanto o carregava nos braços pelas ruas do souk, fez sucesso e queriam comprá-lo, perguntavam-me quanto queria por ele, ofereciam dinheiro, por vezes quantias relativamente avultadas. Há muito poucos cães por ali. No entanto, há muitos gatos, pois o Profeta gostava deles. Recusei todas as ofertas que me foram feitas. Um cão, ao que parece, tal como um boné dos Yankees [aqui falta uma entrada anterior para se perceber ainda melhor], é muito mais valioso do que a pornografia ou o whisky. Consegui passá-lo na fronteira, escondendo-o da polícia, e o cachorro clandestino viajou de barco até Espanha e, depois, de autocarro até Lisboa.
Foi baptizado de Berbere. E foi o melhor negócio que não fiz.”
Afonso Cruz, em Jalan Jalan