Anna e o Homem Andorinha
Gavriel Savit
Editora: Suma de Letras Portugal
Anna e o Homem Andorinha, de Gavriel Savit, foi uma das obras que repesquei enquanto movia os livros para um sítio novo. Lembro-me que quando saiu houve logo imensas opiniões positivas sobre o mesmo, mas entretanto a oportunidade de o ler perdeu-se para agora surgir novamente. Costumo dizer que são os livros que nos escolhem e não o contrário, e talvez influenciada pelos tempos que vivemos, da invasão da Rússia à Ucrânia, senti-me compelida a mergulhar nesta história.
Lida a última página, fiquei cheia de sentimentos mistos. Anna e o Homem Andorinha é passado na Segunda Guerra Mundial, enquanto a Polónia servia de palco de guerra. Entre ursos e leões, alemães e russos, Anna ficou sem o pai e fica praticamente entregue a si mesma até encontrar um completo desconhecido que acaba por cativá-la com uma espécie de fala com uma andorinha. Entre o primeiro momento, ficar sem o pai, e o segundo, encontrar o Homem Andorinha, conhecemos desde logo a capacidade descritiva e intensa da escrita do autor. A nossa protagonista tem apenas sete anos e é impossível ficar indiferente à forma inocente como tenta lidar com os acontecimentos à sua volta.
Com a chegada do Homem Andorinha, uma nova etapa começa. E há algo de profundamente perturbador, mesmo que não evidente, ao longo desta história toda. Anna, sendo filha de um professor, consegue falar várias línguas, tal como o Homem Andorinha. No entanto, para que esta relação funcione é preciso que algo fique claro desde o início — eles têm de se tornar ninguém. Um nome é muito poderoso e dá-lo de graça a alguém pode custar as suas vidas. Ainda para mais se forem judeus.
Enquanto Anna e o Homem Andorinha atravessam o país, às vezes com a sensação de andarem aos círculos, vão encontrando vários intervenientes com os quais muitas vezes têm de negociar certos elementos da sua sobrevivência. Porém, há algo que vai inquietando Anna, o não saber quase nada do Homem Andorinha e os medicamentos que ele toma, religiosamente, três vezes por dia. O percurso de Anna, que se inicia ainda num oceano de inocência e que termina num oceano já desperto para os reais perigos da vida, é descrito pelo autor de forma tão leve como desassossegante.
A evolução intríncada destes dois personagens, com tudo o que lhes vai acontecendo pelo caminho, remete-nos para pensamentos muito pessoais e para momentos de alguma ansiedade. Lembro-me de ler opiniões muito positivas sobre este livro em como a escrita é bela e a inocência retratada. Novamente, talvez por vivermos tempos de guerra, a proeza que o autor conseguiu comigo foi uma sentir uma revolta enorme por tudo aquilo a que os refugiados podem estar sujeitos enquanto fogem de uma guerra na qual perdem o direito da individualidade para se diluírem em qualquer coisa que os salve da brutalidade. E, ainda assim, nada está completamente garantido.
Gavriel Savit tem uma escrita bastante inteligente e até cinematográfica, embora no último quarto da obra me pareça algo perdido no rumo que queria seguir. O livro tem várias transições em termos de momentos na história e aquela última pareceu-me algo apressada. Se por um lado pode ter sido uma opção válida do autor, por outro lado o facto de tantas perguntas ficarem por obter resposta faz com que o final da leitura, na minha opinião, tenha sido algo agridoce. Resumindo, Anna e o Homem Andorinha é uma obra agradável e inquietante que se lê bastante bem num curto espaço de tempo.
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