Jazz em Agosto 2025: Hip Hop experimental com guitarra espremida (MOPCUT + Moor Mother + Dälek)

Jazz em Agosto 2025: Hip Hop experimental com guitarra espremida (MOPCUT + Moor Mother + Dälek)

O activismo de Moor Mother destacou-se, num ambiente em que a batida hip hop conviveu de perto com a destreza de Desprez, peça fundamental do trio MOPCUT.

Texto: João Morales

Fotos: Petra Cvelbar – Gulbenkian Música

Por entre o coaxar discreto das rãs no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian Audrey Chen começa a fazer ouvir a sua voz, lenta e moderadamente, com um ranger electrónico que ela mesmo vai produzindo por fundo. Depois é a vez de Moor Mother se juntar e as duas mulheres vão tecendo um bailado de vozes entrecruzadas, primeira etapa desta longa viagem. O terceiro elemento a tomar o seu lugar é o baterista Lukas König, explorando o seu instrumento, fazendo soar os pratos com um arco, percutindo com tambores com as mãos, deambulando de forma algo etérea. Sobem ao palco os restantes dois, o guitarrista Julien Desprez e MC Dälek.

E o quinteto fica completo. Passa um avião, Moor anuncia “the many tongues of language”, e o concerto ganha forma.

O desafio para esta noite era juntar o trio Mopcut com outras duas vozes, Moor Mother (que os palcos portugueses descobriam há três anos neste mesmo festival, com os Irreversible Entanglements, concerto sobre o qual podem ler aqui https://branmorrighan.com/2022/08/jazz-em-agosto-2022-irreversible-entanglements-usar-a-memoria-para-questionar.html) e MC Dälek (artista que pratica um hip hop experimental e já colaborou com Faust, Young Gods ou Mats Gustafsson).

Audrey Chen (n. 1976, que protagoniza um duo regular com Phil Minton, há alguns anos), com a voz e o sintetizador, integra o trio MOPCUT, com Desprez e König (que participaram no concerto de dia 3 de Agosto, sobre o qual podem ler aqui https://branmorrighan.com/2025/08/jazz-em-agosto-20205-aceleradores-de-particulas-sonoras-mariam-rezaei.html). E foi justamente esta dupla de instrumentistas, o cerne de toda a prestação. Desprez voltou a demonstrar toda a agilidade com que gere os pedais, fazendo desse mecanismo um dos pontos distintivos da sua forma de abordar a guitarra. E o baterista austríaco protagonizou várias pontes ao longo da noite, incluindo momentos de quase rock progressivo, enquanto Chen prolongava as suas intervenções vocais, de forma gutural, recorrendo ao sintetizador.

O colectivo foi evoluindo, Dälek e Moor nos extremos do palco, ela bastante animada, dançando, agitando maracas ou outras percussões, enquanto explanava o seu spoken word, ele, mais comedido na sua postura em palco, grande parte do tempo “mergulhado” nas percussões electrónicas.

A noite comportou distintos ambientes – ora uma batida mais sincopada, dando destaque às palavras, com uma dimensão política subjacente e um olhar desencantado, infelizmente, nada que surja como extemporâneo, em tempos de violência generalizada e informação distorcida (“I hope you never have to see”, dizia Moor), ora uma toada mais cósmica, evocando até algum rock sinfónico mais eremita, não fossem os rasgos de Desprez, sempre empenhado.

A gestão que guitarrista faz da distorção, do prolongamento dos seus sons, do tapping no braço do instrumento e, acima de tudo, da já referida distintiva e bem agilizada utilização dos seus pedais, voltaram a confirmá-lo com um dos grandes da actualidade. Actualidade essa que ainda reserva um espaço para alguma esperança. Humanos, seremos sempre, “we’re designed the way we are”, escuta-se, para, mais adiante, ser sublinhada a necessidade de criar novos cenários, intervir em prol do futuro, porque “sometime we have to move on”.

Registe-se um pormenor curioso (pelo menos, do ponto de vista da semiótica): os cinco músicos estão dispostos lado a lado, num ligeiro semicírculo, de frente, uns para os outros. Excepto MC Dälek, na extremidade esquerda, que acaba por quase não ter contacto visual com os seus comparsas.

Depois de mais de uma hora de concerto, ainda tivemos direito a mais um tema. O MC tomou a dianteira (trazendo na voz ecos de outras lides, não só Public Enemy, mas também Suicidal Tenedencies), a secção rítmica musculou a sonoridade, as duas vozes femininas serviram, se algum modo, como contraponto.

Não terá sido um concerto perfeito, mas foi uma noite empenhada e apelativa, com uma desmonstração clara de novas tendências e novos caminhos, coisa que o Jazz nunca temeu enfrentar – pelo contrário, sempre extraiu do seu alimento externo novas formas de actualizar e consolidar a postura. Talvez como dizia Moor, já na fase final, “one day I hope we all see the way”.

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