Post Original no Música em DX: https://www.musicaemdx.pt/2018/02/17/linda-martini-no-lux-fragil-dos-diamantes-que-se-querem-em-bruto/
Quinze anos, cinco discos, um EP que vale ouro e outras canções soltas pelo meio fazem dos Linda Martini um nome incontornável da música portuguesa. Começaram no circuito punk/hardcore e admitem, em entrevistas, que tiveram sorte desde o início. Com sorte ou sem ela uma coisa é certa: mérito é coisa que não lhes falta. Prova disso mesmo foi o concerto de Quinta-feira passada (dia 15 de Fevereiro), a primeira de duas datas esgotadas no Lux Frágil, para apresentação de Linda Martini, disco homónimo. O público era tão ecléctico em idades como tem vindo a ser a sonoridade dos Linda Martini ao longo da última década e meia.
Dos mais jovens aos mais velhos não faltaram pulmões, nem energia, numa noite que prova que uma banda destas só ganha em manter-se, na sua essência, em estado bruto. Isto é, o polimento é pontual a cada disco, a cada concerto, a cada momento através de guitarras vibrantes com distorções ao alto, um baixo que a cada disco está cada vez mais proeminente e uma bateria sem limites. Assistimos assim a um diamante (a banda) que assume a forma que cada um sente ser a sua, tornando-o único.
Em quinze anos muito deve ter mudado na vida de cada um, mas a determinação em fazerem o que gostam e como gostam, independentemente das expectativas que o público possa ter, faz com que quando estabelecem uma ligação emocional recíproca com o público esta seja altamente visceral. O olhar em palco, esse, é já um pouco diferente de há uns anos atrás. Existe uma espécie de comoção quase fraternal em relação aos membros mais jovens do público, o que é perfeitamente normal quando boa parte dele ainda estava para/a nascer quando começaram a fazer música.
Tive a oportunidade de ficar nas linhas da frente do concerto e com isso estar mais próxima tanto da banda, da sua linguagem corporal, como do público, que rapidamente se organizou para juntar os que tinham o sangue a ferver e que destemidamente fizeram os círculos de mosh que sentiam que as músicas pediam. Não há tanto tempo assim era eu e os meus amigos que estávamos ali no meio e é impossível não largar um sorriso gigante de quem percebe que esta banda, que se admira há mais de uma década, continua a ter o mesmo efeito nas novas gerações. Na altura do Turbo Lento, há quase cinco anos atrás, escrevi: «Penso que os Linda Martini têm esta capacidade inata, e ao mesmo tempo assustadora, de resgatar nos seus ouvintes as partes mais recônditas de si mesmos. Vasculham-nos a alma, agitam-na por dentro e levam-nos a gritar em plenos pulmões todas as coisas reprimidas numa expressão conjunta sem igual.» Desde então, gravaram Sirumba e agora o disco homónimo. Antes tinham gravado Olhos de Mongol, Marsupial e Casa Ocupada. Cada disco com uma reacção diferente, mas o extraordinário é terem mantido exactamente aquela tal capacidade inata de criar uma energia que só à banda e aos seus fãs pertence.
Linda Martini foi então o mote para este concerto e foi com admiração e respeito que constatei que muitos fãs, principalmente dos mais jovens, já sabiam boa parte das letras e fizeram coro com a banda. Os sorrisos partilhados em palco mostravam essa mesma surpresa, mas também um grande orgulho, reforçado e destacado por Hélio Morais, no extremo direito do palco, quando disse “este lado está claramente a ganhar a esse”. E estava. Algo que mudou passadas algumas músicas quando já toda a frente do palco se mexia ao sabor dos empurrões saudáveis de um concerto rock e do crowdsurfing. Pedro Geraldes avisou e cumpriu “se me agarrarem eu vou!”, e ele foi. Havendo até espaço para um abraço a um fã em pleno “vôo”.
Os temas deste último disco são fortes, crus e ao mesmo tempo sensíveis, atravessando espectros sonoros que tanto carregam nas distorções (p.e. “Quase Se Faz Uma Canção”) como pegam num tom mais dançante (p.e. “É Só Uma Canção”). A emoção é a de libertação, a catarse através da música em que as letras e a voz de André Henriques tomam um papel mais preponderante e muito bem-vindo. Pela reacção do público, “Boca de Sal” e “Gravidade”, os singles lançados, mostraram que já se tornaram temas de referência. Foi uma noite muito bonita em que também houve tempo para as aclamadas “Belarmino Vs.”, “Lição de Vôo Nº1” (que a banda já não tocava há algum tempo, mas que é sempre arrepiante), “As Putas Dançam Slow” (tema que pouco tocam ao vivo, mas que será sempre dos meus preferidos), “Amor Combate”, “Putos Bons” e a incontornável “Cem Metros Sereia”.
Os Linda Martini são aquela banda que, tenham noção disso ou não, tocam no âmago de muitos e têm marcado todas as gerações que os ouvem. Resta-me esperar que venham mais quinze anos recheados de boa música e que nunca percam esta essência que os caracteriza que é serem eles mesmos naquilo que fazem, sem merdas.
Alinhamento:
Semi Tédio dos Prazeres
Caretano
Boca de Sal
Panteão
Belarmino Vs.
Quase Se Fez Uma Casa
Febril (Tanto Mar)
É Só Uma Canção
Lição de Vôo Nº 1
Domingo Desportivo
Cor de Osso
Unicórnio de Sta. Engrácia
Gravidade
Se Me Agiganto
As Putas Dançam Slows
Amor Combate
Putos Bons
Cem Metros Sereia
Texto: Sofia Teixeira | BranMorrighan
Fotografias: Luís Sousa
PS Extra BranMorrighan: Não fosse ter começado a acompanhar as bandas da Omnichord Records e os Linda Martini seriam a banda portuguesa que mais vi ao vivo. Entraram no meu imaginário (e na minha realidade) há mais de uma década através de uma pessoa muito especial. Foram das primeiras bandas, senão a primeira, com a qual me identifiquei. Como só a vida tem esse condão, a evolução dos seus trabalhos coincidiu grandemente com o meu crescimento em vários contextos e os seus primeiros discos foram autênticas bandas sonoras para alturas tanto de êxtase como outras mais difíceis, umas mais que outras. É-me, por isso, sempre difícil escrever sobre os Linda Martini, parece que nunca vou fazer jus ao quanto já me acompanharam, mesmo sem alguma vez terem noção disso. Linda Martini, este novo disco homónimo, na sua identidade única traz também um pouco do passado, mas realçando o presente agora numa visão mais madura. E tem sido incrível crescer tendo-os a fazer música. O meu obrigada.