Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Wed, 14 Aug 2024 09:02:01 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.6.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Jazz em Agosto 2024 – As mãos dele são barcos [The Locals] https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-as-maos-dele-sao-barcos-the-locals.html https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-as-maos-dele-sao-barcos-the-locals.html#respond Wed, 14 Aug 2024 08:59:07 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25536 Jazz em Agosto 2024 – As mãos dele são barcos [The Locals]

A noite de dia 9 de Agosto foi dedicada à música de Anthony Braxton, reinventada pelo quinteto The Locals, com Pat Thomas e Alex Ward a liderarem uma noite surpreendente. Uma roupagem servida por batida Funk, acabava por desvendar a complexidade do compositor de Chicago. Mas aí, já estávamos todos rendidos…

Texto: João Morales

Fotos: Vera Marmelo/ Gulbenkian Música

Como tinha anunciado, a presença do Blog Bran Morrighan no Jazz em Agosto 2024 foi um bocadinho “de fugida”, mas concertos como este fazem justiça à qualidade habitual do certame que, recorde-se em abono do merecido elogio, completa este ano quatro décadas de um metódico, insistente e coerente percurso, desde a sua edição inicial, composta apenas por projectos nacionais, desbravando a partir daí a imensa paisagem que brota das fusões e derivações a que um género musical desta natureza sempre esteve assumidamente sujeito. Uma palavra de apreço a todos os programadores que desenharam estes 40 anos e, naturalmente, a casa que acolhe o encontro, cujos nomes já se confundem pela sua natural predisposição para uma atenção constante à actualidade à memória.

Passemos então ao concerto da noite e 9 de Agosto. Mal começa o primeiro tema, entendemos que a música em questão vive de dois factores: por um lado, a riqueza das composições de Anthony Braxton, o padroeiro cujas composições estão na origem e na energia que move este quinteto, por outro, a sombra de um certo Funk, constante e assaz flexível, que transporta estes temas para um novo universo, proporcionado terreno fértil para a versatilidades dos músicos agrupados, The Locals.

O projecto (fixado em CD em 2021, “Plays the Music of Anthony Braxton”, embora se trate de uma gravação ao vivo de 2006) surge com o nome de Pat Thomas à cabeça, histórico pianista fortemente influenciado pelo jazz mais livre (nasceu em 1960), que já se cruzou com músicos como Lol Coxhill, Steve Beresford, Thurston Moore, Phil Minton ou Eugene Chadbourne. Já passou mais que uma vez pelo Jazz em Agosto, sendo as presenças mais recentes com o quarteto Ahmed, em 2022, e integrado no Trance Map +, de Evan Parker, no ano seguinte.

Thomas é de uma agilidade assinalável, as suas mãos percorrem o teclado com mestria, esquerda e direita trocam facilmente de posicionamento, vagueiam ou matraqueiam o teclado com o primor de quem sabe bem em que águas navega. As suas mãos são barcos, conhecedores das marés em que se movem, ditando mesmo a cadência das vagas, quando necessário. Nota-se bem uma sabedoria antiga, no discurso musical, na escolha dos momentos para abrir “hostilidades”, acolher “consensos”, promover conjugações.

Contudo, há um outro elemento fundamental para o sucesso desta ideia feita grupo que, não só sublinha, mais uma vez, a riqueza da escrita de um dos fundadores da mítica Association For the Advancement os Creative Musicians (AACM), na década de 60 do séc XX, como transporta essa mesma música para uma dimensão distinta, marcada por uma secção rítmica rígida (mas atenta e competente), trazendo consigo heranças de outras famílias sonoras, como o Harmolodics ou o M-base – sendo, necessariamente, uma coisa diferente.

E esse elemento é o magnífico clarinetista Alex Ward (n. 1974). Com 12 anos de idade conheceu Derek Bailey, uma das sumidades da nova música improvisada, no ano seguinte tocou com ele (na lendária formação variável Company) e, em 1991, grava o seu primeiro disco, com o percussionista Steve Noble, justamente na Incus, a chancela de Bailey. Descubram-no em The Convergence Quartet; Son/ Dance (Clean Feed; 2010)

Ward solou com toda a elegância ao longo da noite, integrando o seu discurso em momentos imbuídos de um certo Free-Funk, ou Funk-Rock, em passagens herdeiras de um reggae bastante artesanal (como no último tema, antes do encore), em trocas de galhardetes com o piano de Thomas ou a secção rítmica (em especial a guitarra de Evan Thomas), em sequências de exploração colectiva que traziam de novo à tona a essência experimentalista que move estes homens (como o encore, que começou com uma balada, para derivar rapidamente em cascata de várias frentes), ou deambulando em contramão com a simplicidade aparente que o invólucro sabiamente potencia.

O quinteto tocou cinco temas, mais um encore, tendo o baixista Dominic Lash (n. 1980, com um percurso que engloba prestações com John Butcher, Evan Parker, Joe Morris ou o histórico Tony Conrad, nome maior do minimalismo) trocado o eléctrico pelo contrabaixo em duas das faixas, curiosamente, mostrando-se mais flexível nesse registo. A formação foi completada com o baterista Darren Hasson-Davis, figura com um percurso essencialmente académico, no ensino de bateria.

No final, perante uma audiência alargada, cinco homens demonstraram como a música permite várias abordagens a uma mesma composição, como o essencial se prende com a alegria da comunhão e como nunca estão esgotadas as vias de acesso a um estilo ou um músico. Pelo menos, para quem conhece bem as águas em que navega.

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Jazz em Agosto 2024 – Um corpo colectivo [dieb13 Beatnik Manifesto] https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-um-corpo-colectivo-dieb13-beatnik-manifesto.html https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-um-corpo-colectivo-dieb13-beatnik-manifesto.html#respond Wed, 14 Aug 2024 08:54:29 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25529 Jazz em Agosto 2024 – Um corpo colectivo [dieb13 Beatnik Manifesto]

Se a beat generation assentou na glorificação do individuo, este Beatanik Manifesto inverte os pressupostos e faz do som colectivo, da orquestração, a sua mais-valia.

Texto: João Morales

Fotos: Vera Marmelo/ Gulbenkian Música

Quando pensamos em Beatnik, a imagem que nos ocorre é de um indivíduo – viajante, bardo, aventureiro – mas um indivíduo. O projecto Beatnik Manifesto, concebido e coordenado por dieb13, assenta precisamente num pressuposto invertido, ou seja, ao longo do espectáculo o que sobressai é a dinâmica colectiva, a sonoridade obtida pela conjugação do extenso leque de músicos e a dimensão quase maquinal que se obtém com esse efeito. O simples facto de não ter sido dirigida ao público uma única palavra, entre o início e o final do concerto, bem como a ausência de qualquer apresentação dos músicos, não parece ser casual, antes acentua essa mesma construção.

Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, final da tarde de dia 9 de Agosto. O palco encontra-se repleto, são 14 músicos, incluindo dieb13, responsável pela composição desta peça (distribuída por vários movimentos), montagem das imagens de vídeo a que vamos assistindo e manipulação de um gira-discos. Este austríaco (cujo nome é Dieter Kovačič) tem trabalhado em colaboração com diversos nomes da vanguarda do Jazz, como John Butcher, Mats Gustafsson ou Günter Müller.

A orgânica desta pequena orquestra assenta na repetição de instrumentos: duas baterias, dois contrabaixos, duas guitarras eléctricas, dois clarinetes-baixo e um sax alto, dois manipuladores de electrónica. E uma dupla de vozes ao centro: Karolina Preuschl e o histórico Phil Minton (nome que se associa rapidamente a Mike Westbrook, Veryan Weston ou Roger Turner). Logo a abrir surgem palavras na tela que ajudam a contextualizar: Beatniks We Are. A voz que ouvimos é a de Minton e, sobre um crescendo dos sopros, demonstra um pouco das suas capacidades, começando pela leitura (ora suave, ora quase gritada), fazendo brotar perante os nossos olhos figuras que remetem para o universo do cartoon, sussurrando, graduando a cadência da respiração, percorrendo um manancial de efeitos torácicos que só ele conhece.

As imagens vão surgindo na tela, ora um cenário marinho e as suas vagas, ora rostos como os de Donald Trump ou Allen Ginsberg, ora animais fosforescentes. As duplas de instrumentos semelhantes dão, várias vezes, azo a diálogos mais ou menos frenéticos, como foi a dupla de guitarras eléctricas de Sandy Ewen e Finn Loxbo, ou as baterias de Erik Carlsson e Camille Émaille.

A composição que vai avançado assenta nas suas possibilidades orquestrais, sendo que o factor de improvisação está também presente de forma mais ou menos constante, embora sem que seja o de maior evidência. Ou seja, por cima da conjuntura colectiva vão discorrendo os diferentes naipes e, aí sim, há margem de manobra para confrontar o material já composto.

Há vários momentos de maior intensidade, como o despique entre os três instrumentos de palheta, a passagem em que os Karollina e Minton vocalistas assobiam com o nariz tapado, criando efeitos incríveis, a dinâmica entre declamação, quase no domínio da acalmia, e uma intervenção das vozes mais aguerrida (Minton esteve igual a si mesmo, com os trejeitos de corpo, o jogo de aproximação/ afastamento ao microfone e a sábia gestão de inspiração e expiração).

Uma pequena nota para reflectir sobre uma opção – legítima – que tem vindo a ganhar terreno em alguns locais de concertos (que a não tinham). Durante anos habituámo-nos a encontrar uma folha de sala, não apenas com informação referente aos músicos envolventes e respectiva instrumentação, mas também algumas considerações/ contextualização sobre o que vamos e ouvir. Numa lógica de sustentabilidade ambiental, várias são as instituições que abandoam a criação e difusão dessa mesma folha. Contudo, seria de reflectir sobre a pertinência da sua permanência.

A energia colectiva gerada pelas dinâmicas conduzidas por dieb13 resulta com eficácia em cada movimento, talvez falhando um pouco a noção de globalidade, a ligação entre as várias partes. Há um regular fluxo de tensão que não cede a repetições ou lugares-comuns, demonstrando uma vitalidade assinalável, explorando caminhos nem novas incursões na tantas vezes designada terceira via, ou seja, a confluência entre música composta e o espaço destinado a acolher a perspectiva individual que significa a improvisação. No fundo, como o Jazz tantas vezes tem feito ao longo da História.

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Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma [Darius Jones FluxKit Vancouver] https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-com-as-cordas-da-alma-darius-jones-fluxkit-vancouver.html https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-com-as-cordas-da-alma-darius-jones-fluxkit-vancouver.html#respond Sun, 11 Aug 2024 11:48:19 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25522 Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma

Este ano em versão reduzida, a presença do Bran Morrighan no Jazz em Agosto mantém-se. E começamos bem, com um dos mais aclamados saxofonistas do momento e um projecto que junta quatro cordas e uma bateria ao seu sax alto. 

Texto: João Morales

Fotos: Vera Marmelo / Gulbenkian Música

Darius Jones e o seu projecto conquistaram o anfiteatro ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian, amplamente preenchido, rendido à simpatia sonora – que se confirmou quando o músico se dirigiu ao público. O programa para esta noite da 40ª edição do Jazz em Agosto estava delineado, com as antenas apontadas para a apresentação da suite “FLuxKit Vancouver”, construída em quatro partes. E assim foi. Com algo mais, no final.

Unanimemente considerado um dos grandes nomes do Jazz actual (“capaz de «rajadas» articulados e fugazes, bem como sequências equilibradas, confirma que é um dos saxofonistas mais interessantes dos nossos tempos”, escreveu – acertadamente – o português Filipe Freitas no site Jazz Trail, justamente a propósito deste álbum), além dos discos que tutelou, Darius Jones tem deixado a sua marca em álbuns de gente como William Parker, Sabir Mateen, William Hooker ou os Ceramic Dog, de Marc Ribot.

O conceito que nos trouxe, lançado em álbum em 2022, nascido de uma encomenda do Centro de Artes Western Front, em Vancouver, junta elementos de Música de Câmara, com a improvisação fluída do soprador que lidera o combo, algumas passagens com um cheirinho de Jazz-Rock, contando com a experiência e valências criativas de todos os intervenientes.

Logo no início percebemos como Gerald Cleaver, o baterista, será fundamental na definição do ritmo e do ambiente sonoro que impera a cada momento. Um músico extremamente competente (tem deixado a sua marca em diversos trabalhos com Mathew Shipp ou profícuo saxofonista brasileiro Ivo Perelman), sem alaridos exibicionistas. Aliás, um dos factores que marcam todo o concerto é a extrema unidade conseguida entre todos os elementos do sexteto, congregando em si uma espécie de mecanismo orgânico que respira a uma só voz, mesmo quando ela é construída por duas facetas (o que acontecerá, amiúde) – o naipe de cordas e o saxofone, em complemento.

Jones sopra em frases curtas e sincopadas, raramente se deixa arrastar para momentos de elevada continuidade. Mas quando o faz, transporta-nos consigo, espremendo a palheta com a mesma verdade com que nos encantou. Há um elemento constante de espiritualidade na sua música, nas suas ideias, que evocam outros territórios. Se a sua voz transporta heranças como a de Ornette Coleman (e até o formato escolhido para esta apresentação faz lembrar “Skies of America”), há também resquícios da procura de um Coltrane em final de percurso ou até da Mahavisnu Orchestra (na sua versão alargada de “Apocalypse”). E tudo faz sentido.

James Meger, o contrabaixista de serviço, já trabalhou com Kris Davis e Wayne Horvitz ou estevem palco com a Now Orchestra. Discreto, sem ser supérfluo, hipnotizante quando a conjuntura o pedia, também teve o seu tempo de improvisação a solo. 

A dupla de violinos esteve entregue a um par de irmãos, Jesse e Josh Zubot. Filhos de um baterista ouvinte de free jazz, estavam “condenados” à música. O seu papel no que escutámos é essencial, traçando linhas de orientação ao longo de várias passagens, alternado entre si a criação de um fundo com o dedilhar das cordas, correndo em simultâneo os arcos com a rudez pretendida para que se sinta, várias vezes em contraponto à doçura de Jones, contribuindo, em grande medida, para o ambiente vanguardista do início do séc. XX que várias vezes assomou perante nós.  

Claro, o trio de cordas contava com mais um elemento, um nome de peso na improvisação, um dos cartões-de-visita do Canadá.  Colaboradora reconhecida do baterista Dylan van der Shyff, do trompetista Dave Douglas ou do teclista Wayne Horvitz, cruzou-se com sumidades como Butcher Morris, René Lussier ou o “nosso” Carlos Zíngaro, com quem assinou “Western Front; Vancouver 1996”. Isto anda tudo ligado, como diria Eduardo Guerra Carneiro. E a violoncelista não deixou os seus créditos por mãos alheias, assinando alguns momentos de grande cumplicidade, quer com Jones, quer com a dupla de violinos que a acompanhava. 

Referiu-se a dimensão espiritual, e não por acaso. Ainda antes do encore (“não preparámos nada, esta é uma peça completa, que apresentámos, mas alguma coisa se arranjará para vocês”, ironizou Jones), ao apresentar a quarta parte da suite que serviu de trave-mestra ao concerto, o saxofonista (e compositor) explica-nos a razão do título dessa parte, “Damon and Pythias”, vindo de uma lenda grega. Pythias foi preso e pede ao Rei que o liberte, precisa de tratar de alguns assuntos. O Monarca aceita, na condição de alguém tomar o seu lugar, até ao seu regresso. Damon é esse alguém e, contra todas as expectativas, Pythias regressa, para assumir a sua palavra e as suas consequências. O Rei, abismado, liberta ambos. “E vocês, têm algum amigo assim?”, pergunta Jones ao público. Ao longo dessa peça, Darius Jones vogava pelo palco, tocando longe do microfone, mas já muito próximo de nós. 

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[Opinião] Nocturnes, Kazuo Ishiguro https://branmorrighan.com/2024/04/opiniao-nocturnes-kazuo-ishiguro.html https://branmorrighan.com/2024/04/opiniao-nocturnes-kazuo-ishiguro.html#respond Sat, 06 Apr 2024 12:36:39 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25518

Nocturnes
Kazuo Ishiguro

Editora: Faber & Faber

Nocturnes foi a minha estreia a ler o prémio nobel Kazuo Ishiguro. Um risco em duas vertentes: já não lia um livro de contos há bastante tempo (anos) e não sei se um livro de contos é a melhor entrada para conhecer o universo de um Prémio Nobel, mais conhecido pelo seu romance The Remains of the Day. Este foi também o seu primeiro livro de contos, após seis romances publicados. No entanto, numa das minhas viagem no início deste ano, enquanto esperava pelo meu vôo no aeroporto, vi o Nocturnes em destaque e quando reparei que eram contos envolvendo música, Itália e Inglaterra, pensei — “Porque não?”.

Estes cinco contos são caracterizados por apresentarem histórias atípicas, personagens que vivem num tumulto interior, enredos insólitos e uma aura a roçar um pouco o lunático. Talvez devido a essa combinação de elementos tão atípicos, mas ao mesmo tempo tão humanos, embora tenha achado alguns dos contos algo inesperados na sua loucura, também fiquei curiosa sobre que fim é que estes pequenos contos teriam. E se existe um tema comum a todos eles, é uma espécie de desencantamento profundo pela vida e pelo amor, aos mesmo tempo que os personagens tentam resgatar esse encantamento através de atitudes e decisões a roçar o absurdo.

Apesar de cada conto quase merecer ser um romance por si só, a verdade é que este registo breve, onde muito fica no ar, onde tanto é deixado à imaginação do leitor, reflecte na perfeição os encontros casuais que temos nas nossas vidas, as informações parciais e como lidamos com elas, as expectativas que nunca saberemos se se irão concretizar ou não. Temos desde actos de amor desesperado a uma resignação profunda de que as nossas emoções são tão transitórias como uma estadia num hotel ou uma viagem às montanhas.

A música, nas suas mais variadas formas — de serenatas, concertos em piazzas, a vinis em pano de fundo ou apenas um sonho pelo qual se está disposto a desfigurar-se a si mesmo (!!!!) — liga os pontos que ficam no ar. Uma espécie de homenagem a uma arte que tem tanto o poder de nos resgatar quanto de nos enfeitiçar com esperanças e sonhos.

Fica a curiosidade de agora ler um romance do autor. Se recomendo Nocturnes? Diria que acho necessário ter uma ligação com a música para além do ouvinte ocasional e estar aberto a uma viagem que nem sempre fará o maior dos sentidos e que beneficiará da nossa compreensão e quase perdão nos momentos mais absurdos. Ainda assim, uma leitura que desfrutei.

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[Reportagem MDX] A Estreia Catártica de The Pineapple Thief em Portugal e a Magia Progressiva de um Concerto Memorável https://branmorrighan.com/2024/03/reportagem-mdx-a-estreia-catartica-de-the-pineapple-thief-em-portugal-e-a-magia-progressiva-de-um-concerto-memoravel.html https://branmorrighan.com/2024/03/reportagem-mdx-a-estreia-catartica-de-the-pineapple-thief-em-portugal-e-a-magia-progressiva-de-um-concerto-memoravel.html#comments Sat, 16 Mar 2024 14:33:12 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25513

Reportagem original: https://www.musicaemdx.pt/2024/03/05/a-estreia-catartica-de-the-pineapple-thief-em-portugal-e-a-magia-progressiva-de-um-concerto-memoravel/

Faz já quase duas semanas que me desloquei ao Lisboa ao Vivo para ver The Pineapple Thief, banda que conheci há já 16 anos atrás e que nunca tinha oportunidade de ver. Confesso que fiquei espantada com a sala completamente cheia e com fãs tão entusiastas quando na verdade não conheço quase ninguém que também seja fã da banda. Mas a espera valeu completamente a pena e foi um dos melhores concertos a que fui nos últimos tempos! Deixo-vos com o texto que escrevi para a família no Música em DX e com a playlist do concerto! As duas fotografias são do meu telemóvel.

Noite de domingo, noite de clássico no futebol, mas nada disso intimidou quem se deslocou ao Lisboa ao Vivo com casa cheia para homenagear os vencedores da noite – The Pineapple Thief! O espetáculo, com início marcado para as 20h30 e abertura de Randy McStine, prometia uma noite memorável. Às 20h15, ainda se via uma fila extensa à porta, enquanto no interior a sala já fervilhava de entusiasmo, marcando a estreia da banda britânica em solo português. A espera, embora longa, revelou-se insignificante perante a experiência única que se desenrolou, alimentando a esperança de um rápido regresso.

Com a pontualidade britânica, Randy McStine subiu ao palco munido da sua guitarra e loop station, entrelaçando as suas canções e colaborações com mestria, aquecendo a audiência com uma voz potente e vibrante. O seu último disco, Unintentional, foi lançado em Dezembro de 2023 e o artista americano conta já com 12 lançamentos na plataforma bandcamp. A sua simpatia e a sua disponibilidade para interagir com o público e vender o seu próprio merchandising deixou-nos cativados. Terminada a sua bela actuação, era palpável a expectativa crescente para os The Pineapple Thief.

Bruce Soord, vocalista e guitarrista, iniciou o projecto há já 25 anos atrás, tornando a banda numa das referências de rock progressivo internacionais. Acompanhado por Jon Skyes há mais de duas décadas no baixo, a formação actual conta também como membros fixos Steve Kitch nos teclados e Gavin Harrison na bateria, este último reconhecido também pelos Porcupine Tree (banda que tive o prazer de ver no Incrível Almadense em 2008!). Ao vivo, a banda tem-se feito acompanhar de Beren Matthews na guitarra e voz, tendo também contribuído com as mesmas em algumas partes nas gravações do último It Leads to This.

O quinteto sobe ao palco perante um público já efusivo, demonstrando já a sua expectativa.. Mesmo com expectativas elevadas, bastou o primeiro tema, “The Frost”, para rapidamente superá-las. A magia dos discos transformou-se em energia visceral ao vivo. A sinergia entre os músicos criou uma atmosfera libertadora, projetando ao mesmo tempo uma ligação crescente com a plateia que não hesitou em expressar o seu fervor.

O alinhamento da noite levou-nos por uma viagem de emoções fortes. Em canções como “Our Mire”, “Version of the Truth”, ou “Rubicon”, mas também como tema geral do concerto, testemunhámos o talento conquistador da banda, com uma bateria comandante, teclado envolvente, baixo dançante e pulsante, guitarras cavalgantes e a voz liderante de Bruce Soord irrepreensível. A performance da banda, a dança entre os elementos, os momentos mais calmos alternados com momentos explosivos, os solos mais vibrantes de Beren Matthews a complementarem a personalidade da banda, tornou toda a experiência catártica. 

Para além de temas do último disco e de Version of Truth, a banda tocou ainda dois temas de Give it Back (uma colecção de temas anteriores agora regravados também com as contribuições poderosas de Gavin Harrison) e “The Final Thing on My Mind”, do disco The Wilderness, que encerrou o set principal. Este último tema é um dos meus preferidos da banda e foi um privilégio vê-los a construir a narrativa com momentos sublimes e arrebatadores, e com uma carga emocional muito própria. Acredito que por esta altura a banda também já estava completamente rendida ao público português, o que tornou o momento muito genuíno. 

Felizmente a espera para o encore foi curtinha, e a banda voltou com “In Exile” e “Alone at Sea”. Confesso que soube a pouco, mas apenas porque foi uma noite tão bonita. Para quem tem acompanhado a banda, penso que fica a curiosidade dos primeiros tempos ao vivo e a vontade de não ficar muitos mais anos sem os ver novamente. Guardo um respeito e admiração enormes por este projecto, pela sua evolução sonora e lírica, que também reflectem as várias fases de vida e de intimidade, o que permite a quem ouve poder libertar alguns dos seus próprios “Demons”. Resumindo, queremos mais.

Mais novidades: https://branmorrighan.com/categoria/musica

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[Queres é (a) Letra!] Hipoteca, Homem em Catarse https://branmorrighan.com/2024/03/queres-e-a-letra-hipoteca-homem-em-catarse.html https://branmorrighan.com/2024/03/queres-e-a-letra-hipoteca-homem-em-catarse.html#respond Sun, 03 Mar 2024 17:49:53 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25505
Hipoteca

Já faz algum tempo que não volto a algumas das rubricas do blogue, mas esta semana que passou soube do novo single do artista português Homem em Catarse, e um Queres é (a) Letra! tornou-se imperativo. Hipoteca é a nova canção de Afonso, que nas suas palavras nos explica “50 anos depois do 25 Abril, ainda temos de dizer que um direito não é favor…. a Hipoteca é também um manifesto que dá voz à inquietude que atinge transversalmente o nosso país! Há que dar consciência à nossa voz e é através da música e das canções que o posso fazer.

E a verdade é que para quem é de Lisboa, vive em Lisboa, ou até apenas vai a Lisboa de vez em quando, esta canção vai soar tão verdadeira que dói. Já não é apenas no centro de Lisboa, é também nos subúrbios e até para além dos mesmos. A verdade é que Lisboa tem-se descaracterizado e tornado insustentável para a grande maioria dos portugueses. Em complemento à temática, como sempre, Homem em Catarse traz-nos mais uma canção cujo ritmo e melodia também nos incita a uma espécie de rebeldia e de bater com o pé no chão.

Deixo-vos com o videoclip e no final deste post podem encontrar link para as diversas plataformas onde poderão ouvir e partilhar Hipoteca, assim como as próximas datas ao vivo do artista português.

Venham todos, venham todos…
venham todos turistar!
não interessa gente sem casa,
o que interessa é faturar.

A economia é tudo
e assimetria é o que é
migalhas pró subúrbio
e hostéis juntos à sé.

Uma bolha a crescer,
mais um navio a chegar.
Não nos peçam um futuro
se o querem hipotecar.

Venham todos, venham todos venham todos turistar!
E a hipoteca por pagar.

Nem nas nossas casas
podemos viver
não cheira bem, não cheira a Lisboa
é o dinheiro a feder.

E uma criança…
lá no interior
Para ir prá a escola,
parece que é por favor.

Um direito não é um favor!

Venham todos, venham todos, venham todos turistar!
E a Hipoteca por pagar!
Nem nas nossas casas podemos viver.
E a Hipoteca por pagar!
Nem nas nossas casas
podemos viver.

Esta é a geração de jovens portugueses que, pela primeira vez, tem uma perspetiva de futuro mais sombria que a anterior. Esta é a geração de portugueses que anda uma vida inteira a pagar uma casa que nem chegará a ser sua. Esta é a geração do desequilíbrio, onde a qualidade de vida foge das grandes cidades amontoadas no tédio do excesso e da descaracterização. As senhoras à janela são expulsas da sua rua dando lugar aos nómadas sem rosto, como sem rosto fica a luz da cidade. Enquanto hipotecamos o nosso futuro e a descentralização é uma miragem, a hipoteca de todos nós continua a aumentar. E já começamos a pagar bem caro… a inflação dos nossos dias.

“Hipoteca” é o novo e interventivo single de Homem em Catarse, no qual explora novos caminhos mantendo a identidade da sua guitarra paisagista, inconfundível, aliada a novos ritmos e a uma mensagem muito pertinente e actual. “Hipoteca”, a par de “O tempo vem atrás de nós”, vai fazer parte do disco “Catarse Natural” que o músico edita no final do ano, mas, antes, vai ser possível constatar como soa ao vivo:

17 Abril | Cineteatro António Lamoso | Santa Maria da Feira
05 Maio | Fórum Municipal Luísa Todi “Guitarras ao Alto” | Setúbal

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[Diário de Bordo] Escrevendo sobre o Tim Bernardes para o Música em DX https://branmorrighan.com/2024/02/diario-de-bordo-escrevendo-sobre-o-tim-bernardes-para-o-musica-em-dx.html https://branmorrighan.com/2024/02/diario-de-bordo-escrevendo-sobre-o-tim-bernardes-para-o-musica-em-dx.html#respond Wed, 28 Feb 2024 19:35:23 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25502 Meus queridos leitores,

Como estão? Tenho andado a ameaçar que volto e depois não acontece, ou acontece muito devagarinho, nos bastidores. No entanto, no início do mês aventurei-me a juntar-me aos nossos amigos no Música em DX para escrever, pela primeira vez em quase cinco anos!, sobre um concerto. Fui verificar e o último texto tinha sido do enorme Olafur Arnolds!

Volta e meia vou a outros concertos, mas não tenho escrito sobre os mesmos. Este ano, a disponibilidade permitindo, conto pelo menos tentar fazê-lo de vez em quando. A família MDX não se importa de me ter de volta e dá-me motivação extra! Afinal tenho estado fora do circuito há algum tempo, mas o gosto pela música, se possível, só cresceu.

Quando vi o anúncio do concerto do Tim Bernardes, ainda nem sequer tinha ouvido o seu último disco Mil Coisas Invisíveis. Na verdade, conheci o Tim já em 2017 com O Terno! Já na altura tinha ficado com aquela sensação de quentinho e de serem uma banda tão querida, que achei que esta era uma excelente oportunidade para ver o Tim novamente, agora a solo.

Enviei a minha disponibilidade ainda antes de ouvir o disco. Tive a sensação que seria uma aposta segura. Para os leitores mais antigos, vocês sabem que eu escolho a dedo sobre o que escrevo. O meu tipo de escrita não dá muita flexibilidade para escrever sobre coisas que não me dizem nada ao coração. Já aconteceu, e consigo escrever sobre a qualidade de algo, mas é tão mais belo quando levitamos não só durante o concerto como durante a escrita.

Escrever novamente para o Música em DX (obrigada mais uma vez, família!) foi como sair de mim mesma durante um par de horas para mergulhar numa dimensão que misturou a minha experiência durante o concerto, o quanto as canções de Tim na verdade me dizem, e o quanto foi catártico no final juntar as duas coisas e ter novamente um texto cá fora.

Quando criei o rascunho deste post, a minha intenção era só copiar aqui o texto da reportagem (como podem ver no final do post), mas entretanto já me estou a esticar! Ainda assim, não quero carregar Publicar sem mencionar que para além de vos agradecer lerem o meu texto, sugiro que ouçam o disco do Tim Bernardes. Eu não estava à espera que me tocasse tanto, que me identificasse tanto com tantas canções e a sua performance ao vivo — um pequeno gigante sozinho num palco que a certa altura parecia não ser suficiente para a sua alma — levou-me às lágrimas mais do que uma vez.

Deixo-vos com o link para o MDX, no final deste post está a playlist do concerto e, com sorte, falamos em breve? Obrigada pelos comentários recentes em posts anteriores. Fico-vos muito grata pelo vosso carinho! Até breve!

Reportagem original em: https://www.musicaemdx.pt/2024/02/03/o-carisma-e-a-humildade-de-tim-bernardes-no-coliseu-dos-recreios/

Estamos em 2017 e eu ouço falar nesta banda brasileira chamada O Terno que iria actuar brevemente no Musicbox. E lá estava eu, e talvez muitos de vós, a conhecer uma banda pela qual foi tão fácil ganhar carinho pela simplicidade, cumplicidade e boa energia. Ao mesmo tempo, Tim Bernardes, um dos membros da banda, lança o seu primeiro disco a solo “Recomeçar”. Avançamos para o presente, 1 de Fevereiro de 2024, e Tim Bernardes enche duas datas no Coliseu de Lisboa para nos brindar novamente com o seu último disco “Mil Coisas Invisíveis”, mas também com temas do disco anterior, algumas de O Terno, canções que escreveu para outros artistas e ainda uma cover de Bob Dylan. 

As luzes baixam, e com uma voz vibrante, com um laivo de timidez, mas ousada, Tim Bernardes abre a noite com o primeiro tema do seu mais recente álbum Nascer, Viver, Morrer. E logo aqui percebemos porque é que Tim Bernardes enche o coliseu de forma tão fácil – os seus discos são belos, mas o poder da sua voz, da sua presença, e do seu sorriso tão genuíno, conquista-nos facilmente. A partir daquele momento, as nossas emoções já não são bem nossas, mas antes um reflexo da narrativa que Tim Bernardes nos traz com as suas canções. 

Esta viagem – com referências a Fernando Pessoa, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, entre outros – torna-se muito pessoal à medida que vamos de canção em canção, ora ao som de uma das suas guitarras, ora ao som do piano. É impossível não sorrir, ou até não largar uma lágrima aqui e ali, quando Tim Bernardes projecta a sua voz em canções como Realmente Lindo ou Velha Amiga. Quando Tim Bernardes referiu a sua admiração pelo Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, referindo que ele próprio sentia que era ele que estava ali naquelas páginas, há um momento de compreensão silencioso sobre o processo criativo e de onde vem parte da alquimia da escrita das suas canções.

Chega a vez de Melhor do Que Parece, do reportório de O Terno, e a reação do público foi de reconhecimento e carinho pela banda do cantor. Não foi raro ao longo do concerto ouvir ecos e o público a cantar com Tim Bernardes, mas o que me admirou mais, porque obviamente era um público entusiasta e conhecedor, foi o respeito pelo silêncio e pela solenidade da maior parte das canções. A sequência das canções Última Vez e até Esse Ar (uma canção sobre a lua!) trouxe um momento mais solene, apropriado para potenciais corações partidos em recuperação. 

O que mais me fascina no Tim Bernardes, é que ele é muito mais do que um cantor de canções românticas – ele vai ao âmago dos caminhos intrincados do nosso crescimento num mundo em constante mudança, expondo uma vulnerabilidade que todos sentimos e poucos conseguimos expressar. A sua humildade e o seu sorriso radiante, dão esperança a quem tem o privilégio de se sentar e partilhar estes momentos íntimos que é expor os seus pensamentos numa das salas mais emblemáticas de Portugal. Em cada interação entre Tim e o público houve uma troca de carinho muito grande, com o músico brasileiro a expressar a sua gratidão por estar ali, após ter passado também pelo Porto. 

O fim do concerto aproxima-se com o início d’A Balada de Tim Bernardes, uma canção que nos lembra que mesmo no meio de desafios, porque não cantar? Termina com Recomeçar, do seu primeiro disco a solo, fechando uma viagem que foi uma espécie de psicoterapia musical, em que Tim deu voz e som a um espectro de emoções, equilibrando entre o humor e a genuinidade de quem se expõe. Foi uma noite muito bonita e não tenho dúvidas de que Tim Bernardes irá voltar a encher o Coliseu no futuro.

Playlist do concerto:

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Estamos no Threads! https://branmorrighan.com/2023/12/estamos-no-threads.html https://branmorrighan.com/2023/12/estamos-no-threads.html#comments Tue, 19 Dec 2023 20:22:27 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25496 Por o blogue ter atravessado tantas fases diferentes da minha vida, acabei por fazer uma separação do que é a (Andreia) Sofia Teixeira a nível profissional e a Sofia Teixeira do BranMorrighan. A criação de páginas e perfis no Facebook, Twitter e Instagram, sempre me deixaram meia dividida sobre que rede social serviria que propósito para qual persona. Não sei se vai durar muito tempo, mas decidi dar uma oportunidade à app Threads onde vou tentar juntar as diversas facetas do meu dia-a-dia.

Por vezes os posts vão estar em Português, outras vezes em inglês. Umas vezes postarei coisas pessoais, outras profissionais, outras do blogue. Talvez seja uma péssima ideia, talvez venha a mostrar resultados interessantes. Vamos experimentar? Se tiverem conta no Threads, sigam-me em sofiateixeira_branmorrighan! Entretanto brevemente coloquei um post a sinalizar os 15 anos do BranMorrighan :)) Até já!

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[Diário de Bordo] Redescobrindo o Fantástico https://branmorrighan.com/2023/12/diario-de-bordo-redescobrindo-o-fantastico.html https://branmorrighan.com/2023/12/diario-de-bordo-redescobrindo-o-fantastico.html#comments Sat, 02 Dec 2023 19:30:54 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25488

Deixem-me começar pelo óbvio — desde o COVID-19 que nunca mais nada foi exactamente o mesmo. E se por um lado para algumas pessoas as mudanças deveram-se precisamente à doença, no meu caso as coisas foram um pouco mais estranhas. Quando em 2022 estava tudo a voltar um pouco ao normal, voltei eu para casa em modo cyborg (não sabiam que sou um cyborg? pois leiam aqui) e desde então que isto tem sido uma montanha russa. O último ano também foi cheio de eventos inesperados. Alguns muito bons, outros muito maus, incluindo o falecimento da minha querida avó (post para outro dia) e um conjunto de factores/doenças dos quais ainda estou a recuperar.

Provavelmente vocês são mais inteligentes do que eu e não fazem o que eu faço — que é virar-me para não ficção e tentar compreender as entranhas do universo, os mecanismos dos elementos microscópicos, o entrelaçado entre corpo e mente ao ponto de não ver mais nada à frente… Enquanto que por curiosidade tudo isto é muito positivo, quando a coisa se torna uma pequena obsessão, nem tanto assim. Felizmente, tal como tenho vindo a dizer a mim mesma cada vez mais, tudo é passageiro. E sim, tudo, incluindo o bom e o mau, e por isso quando a maré está brava, tento lembrar-me que eventualmente acalmará.

Eu bem comprei um carrinho de livros, uma estante nova, etc. etc., mas enquanto os livros me passeavam pelas mãos, ainda assim não me estavam a tocar. Comprei alguns livros novos, uma série de e-books no Kindle, mas acabava sempre a cair na não-ficção. Mais uma vez, não sou contra quem só lê não-ficção, mas se vocês são leitores do blogue há algum tempo, sabem muito bem que por aqui se costumava ler de tudo, incluindo poesia e literatura meia esquisita, mas brilhante, como por exemplo I Love Dick ou Uma Rapariga é Uma Coisa Inacabada.

No entanto, se vocês são leitores há pelo menos uma década ou mais (e sei que alguns de vocês são — estou tão surpreendida pelas mais de 200 reacções no facebook ao último post!!) sabem muito bem que a minha paixão de adolescência e início da idade adulta foi sempre a literatura fantástica. Alguns também saberão que Juliet Marillier é uma das minhas autoras preferidas, cujo nome Bran deste blogue e do meu cão se deve a’O Filho das Sombras. Ainda tentei pegar num dos seus livros, mas a questão é que o meu coração não estava preparado para um romance e uma história que me comovesse demasiado. O luto é um bicho estranho.

No meio dos livros meios perdidos das mudanças para onde estou agora, encontrei o Lugar Nenhum do Neil Gaiman. Já li alguns livros do escritor, como Deuses Americanos ou O Oceano no Fim do Caminho, mas já fazia uns anos que não lia nada seu. E então pensei “porque não?”, provavelmente vai acontecer o mesmo que aconteceu com todos os últimos livros de ficção que tentei pegar até agora — leio uma ou duas páginas e pouso o livro sem voltar a pegar nele. Não sei se também passam por estas crises existenciais em que mesmo que os livros sejam os melhores, pura e simplesmente não pegam connosco. Acontece. A vida acontece.

O que também acontece é que como quem não quer as coisa, Richard e Door (dois dos personagens principais) lá se enfiaram na minha mente e já vou a mais de meio do livro. Eu que já tinha desistido de andar com livros atrás de mim, agora tenho o deja vú de há uns anos que é trazer o livro comigo mesmo que não tenha a certeza de haver oportunidade para o ler. E o que é que isto tem a ver com o redescobrir o fantástico? Tem tudo a ver. Porque na verdade, e não é a primeira vez, o fantástico tem o poder de nos tirar um pouco deste mundo e dar-nos espaço para respirarmos e processarmos as nossas próprias coisas.

Então mas Juliet Marillier não é fantástico? Claro que sim. Só que no meu caso eu precisava de algo mais “rijo”, mais “bruto”, mas ao mesmo tempo com um toque de sensibilidade e curiosidade que me prendesse na mesma, mas não me atirasse para lugares comuns do luto que tenho andado a processar nos últimos dois meses. O que — se já leram o livro — acaba por ser irónico dada a condição inicial de Door… E sim, por vezes ler coisas com situações semelhantes ajudam, mas eu já tenho os podcasts (ainda não vos falei do meu vício em podcasts, pois não?) e afins…

Não vou escrever nada em concreto sobre a leitura, porque vou guardar para quando publicar em específico sobre o mesmo, mas queria partilhar convosco, incluindo com aqueles que não lêem fantástico (e sim, tenho quem quase lhe dê um treco só de pensar em ler fantástico), que a fantasia também traz consigo um poder que às vezes o romance normal não consegue, por muito bom que seja. E o que mais me fascina é precisamente a capacidade de imaginação, de enredo intrincado, de personagens cheias de camadas e não lineares que nos deixam ali presos à espera do que vem a seguir.

E acabei a escrever bem bem mais do que aquilo que tinha planeado! Espero que tenham conseguido chegar ao fim! E se chegaram, não se esqueçam de subscrever a minha newsletter que vai voltar muito brevemente às vossas caixas de correio! Um abraço e deixem um comentário caso vos apeteça, caso concordem ou discordem de algo. Estou sempre curiosa com as vossas opiniões!

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[Diário de Bordo] As voltas que a vida dá https://branmorrighan.com/2023/11/diario-de-bordo-as-voltas-que-a-vida-da.html https://branmorrighan.com/2023/11/diario-de-bordo-as-voltas-que-a-vida-da.html#respond Sat, 18 Nov 2023 17:44:03 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25476

Queridos leitores,

Bem sei que o tempo está cinzento lá fora (pelo menos aqui no distrito de Lisboa), mas decidi ilustrar este post com uma fotografia de um dos últimos dias de Agosto que me deu muito em que pensar. A verdade é que desde então a vida já me trocou as voltas umas quantas vezes. Tive momentos de muita felicidade e momentos de muita dor e luto. Ainda assim, lembro-me que quando tirei esta selfie numa das minhas viagens sentia esperança. Apesar de tudo o que aconteceu desde então, finalmente alguma luz e esperança voltam a habitar deste lado e por isso cá estou eu a tentar partilhá-las um pouco convosco.

Há muito tempo que queria voltar ao blogue, mas confesso que tenho tido uma relação meia complicada com os computadores. Como a maioria de vocês sabe, sou engenheira informática, investigadora em ciência das redes e sistemas complexos, professora do departamento de informática da FCUL e, como devem imaginar, o tempo que passo ao computador é mais do que aquele que por vezes desejaria. Devido a algumas questões de saúde e ao excesso de trabalho, acabo por só conseguir estar ao computador para trabalhar e depois o que quero é desligar… Tem sido um exercício arranjar um novo balanço para aqui voltar.

E, por agora, vou tentar! Dei-me conta esta semana que o blogue BranMorrighan vai completar 15 anos em Dezembro. 15 anos!! Lembro-me de quando se tornou adolescente e agora começa a contagem decrescente para se tornar um blogue “adulto”. Mas é curioso que a facilidade com que eu partilhava posts há 10 e 15 anos atrás, está longe de ser a facilidade que sinto agora. Há quem possa dizer — é normal, cresceste, és adulta, a tua vida é outra, etc. etc. etc. E em parte é verdade, mas outra parte está relacionada com a responsabilidade que sinto agora em todos os cargos profissionais que ocupo.

Dito isto, não garantindo o regresso como antigamente, quero dizer-vos que como parte deste caminho em tentar arranjar um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal irei tentar voltar a partilhar convosco mais sobre as minhas leituras e também escrever sobre concertos e novos projectos musicais que tenho ouvido. Esta semana saí da toca para ir ver o André Henriques e foi tão bonito que sou capaz de vir a escrever sobre o mesmo. No outro dia, por mero acaso, também me cruzei com o projecto Ela Jaguar e foi uma delícia de ver e ouvir.

Se estão curiosos com o que ando a ler, posso adiantar que estou com estes dois livros em mãos: The Way Things Are Kindle Edition (Lama Ole Nydahl) e Neverwhere (Neil Gaiman). Sempre tive bastante curiosidade sobre o budismo (já li o livro Why Buddhism is True e achei muito interessante) e confesso que já tinha saudades de ler fantástico, portanto optei pela versão revista de Neverwhere que foi publicada pelas Edições Saída de Emergência há um par de anos, se não estou engana.

O post já vai longo, mas deixo-vos um raiozinho de sol de esperança. Agarrem-se às coisas boas. Se sofrem de ansiedade, burnout, depressão ou desordens/doenças associadas, não estão sozinhos. E refiro isto porque nunca antes vi uma prevalência tão grande destas condições e é verdade que a próxima pandemia já cá está e é uma pandemia de saúde mental. Cá estarei para tentar também trazer alguma luz a estes assuntos, quando possível. Abraço grande e tenham um bom fim-de-semana!

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