[Diário de Bordo] O dia em que me tornei num cyborg

Uma foto do Bran quando me veio fazer companhia a seguir à cirurgia 🙂 Aposto que já tinham saudades dele!

Queridos leitores,

Faz 6 meses que me tornei num cyborg. Tudo começou no dia a seguir a’O dia em que assinei a escritura (parte 1 e 2). Imaginem o seguinte cenário. Chegam a casa, felizes da vida porque finalmente conseguiram comprar um apartamento. A semana foi cansativa. Imensos projectos e avaliações de alunos, mas a coisa fez-se. Algumas dores nos braços e nas costas, mas nada de absurdamente doloroso. Vão dormir. Acordam na manhã seguinte e sentem dores tão viscerais que mal conseguem mexer o tronco, ou o pescoço, ou os braços. A dor é tal que as lágrimas correm sem controlo. Precisam de ajuda até para saírem da cama.

Não foi a primeira vez que isto me aconteceu. Durante o meu doutoramento tive algumas crises destas. Das três ou quatro vezes em que fiquei assim, a rotina foi sempre a mesma: ligar para a Saúde 24, entrar pelas urgências, levar injecções, ser mandada para casa com drogas tão fortes como Tramadol, Diazepam, Brufen/Voltaren, etc… Nunca nenhum médico das urgências me mandou fazer qualquer exame. Até agora. E abençoada médica — de quem a senhora da recepção se queixava que estava a atrasar as urgências por passar demasiado tempo com os pacientes (???????). Enfim.

A verdade é que quando a médica me mandou fazer uma TAC, eu não fiquei demasiado alarmada. Depois de umas quantas rodadas desta rotina, a minha esperança é que dali a umas semanas (por norma nunca ficava bem em menos de pelo menos duas a três semanas) a coisa estaria normal novamente. Então não fiquei preocupada quando não tive logo vaga. Acabei a ter o resultado da TAC umas duas semanas depois. Ao ler o relatório, houve partes que me pareceram chinês. Então enviei para dois amigos meus médicos. A recomendação para ir a um neurocirurgião foi imediata. Um deles disse-me mesmo de frente que eu teria de ser operada e que me devia apressar.

Estarei sempre grata ao conjunto de pessoas que me ajudou a ter as consultas e os exames de forma tão célere. Consegui consulta para o neurocirurgião recomendado no dia seguinte. Primeiro ele mostrou-se optimista, depois de ver as imagens, cautelosamente, mandou-me fazer uma ressonância magnética “com alguma urgência” (estilo amanhã). Em dois ou três dias tínhamos os resultados e o optimismo do neurocirurgião já não existia. Ele deixou sempre a decisão do meu lado, mas afirmou que era a sua opinião de que eu precisava de cirurgia, para ONTEM.

Afinal o que é que eu tinha? Uma hérnia na cervical a comprimir a medula de tal forma que com um impacto, uma travagem de um carro, etc., podia ficar tetraplégica. A hérnia era tão grande que para além da compressão tradicional dos nervos, foi também para cima da medula que estava encostada num terço de canal disponível. Agora imaginem o que é num dia estarem a fazer planos disto e daquilo e no outro dizerem que correm este tipo de risco. A solução seria uma astroplastia cervical com remoção do disco e inserção de uma prótese de titânio, um disco artificial.

Parece fácil, sério? Fazer um corte pela frente do pescoço, afastar a carótida, a traqueia, as cordas vocais, etc. etc., remover um disco e colocar outro de titânio. E libertar a medula pelo meio! A cirurgia correu minimamente bem, e não vou entrar em muitos pormenores em relação ao pós-operatório porque foi mais doloroso do que previsto. A certa altura comecei a fazer fisioterapia e as coisas começaram a melhorar. Estarei eternamente grata ao fisioterapeuta do Curry Cabral que me acompanhou durante três séries de fisioterapia.

Hoje em dia tento fazer vida minimamente normal, mas há ainda uns quantos pormenores em que só posso ter esperança que convirjam para um estado de não dor e mobilidade suficiente. Imagino que se estejam a perguntar se agora apito nos aeroportos? Ahah, não! Sendo a prótese de titânio, não há cá alarmes a disparar em lado nenhum. A cicatriz também já mal se nota, o cirurgião foi um autêntico artista.

Resumindo e concluindo (que na verdade comecei a escrever este post há um par de meses atrás) — estou muito grata que esteja a correr tudo minimamente bem, que tenho movimento nos meus braços e nas minhas pernas e que tenho tido um conjunto de pessoas fundamental apoiando-me neste trajecto! Nos próximos Diários de Bordo vou tentar partilhar convosco algumas das experiências mais incríveis deste Verão! Entretanto, prestem atenção ao que o vosso corpo vos comunica e não deixem tudo para a última hora. Sejam gentis e pacientes e cuidem-se!

PS: Entretanto criei conta no Substack e as newsletters vão começar a ser produzidas lá! Subscrevam 🙂

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2 Comentários
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Joana Varela
Joana Varela
2 anos atrás

Olá Sofia,

Obrigada por partilhares! Eu passei por algo semelhante: reconheci todos os medicamentos como os que me mandavam também com as minhas crises – que duravam no mínimo1 mês!, e qndo vim para Londres trouxe-os comigo, just in case!!! – mas não cheguei ao ponto da cirurgia – o meu caso é menos grave (é na lombar, não cervical), e a recomendação foi sempre dentro deste género “ah é nova, enquanto se for mexendo bem, não faça cirurgia que pode correr muito bem ou muito mal” – dito assim por um cirurgião ortopedista assusta!
Fiz fisioterapia de piscina do Curry Cabral também, para ajudar à mobilidade e aliviar dores.
O neurocirurgião do HSM (que me foi atribuído depois de ter 3 crises quase seguidas em que quase não me mexia) foi sempre simpático mas directo, também sempre disse que a decisão era minha, e a recomendação dele era se voltasse a ter uma crise do mesmo nível antes da próxima consulta com ele (penso que fosse 3 meses de diferença – enquanto estava a fazer a fisio), devia fazer a cirurgia para não ficar presa a uma cama/cadeira.

É com muita felicidade que digo que não voltei a ter crises assim, de vez em quando pode dar uma pontada se há um movimento mais distraído – e eu já conheço tão bem as diferentes dores, que já sei qndo é preciso tomar um voltaren para não piorar!

Anyway, tudo isto para dizer continuação das melhoras, e fico contente que o blog esteja de volta, gostei da 1a newsletter 😊

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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