Deixem-me começar pelo óbvio — desde o COVID-19 que nunca mais nada foi exactamente o mesmo. E se por um lado para algumas pessoas as mudanças deveram-se precisamente à doença, no meu caso as coisas foram um pouco mais estranhas. Quando em 2022 estava tudo a voltar um pouco ao normal, voltei eu para casa em modo cyborg (não sabiam que sou um cyborg? pois leiam aqui) e desde então que isto tem sido uma montanha russa. O último ano também foi cheio de eventos inesperados. Alguns muito bons, outros muito maus, incluindo o falecimento da minha querida avó (post para outro dia) e um conjunto de factores/doenças dos quais ainda estou a recuperar.
Provavelmente vocês são mais inteligentes do que eu e não fazem o que eu faço — que é virar-me para não ficção e tentar compreender as entranhas do universo, os mecanismos dos elementos microscópicos, o entrelaçado entre corpo e mente ao ponto de não ver mais nada à frente… Enquanto que por curiosidade tudo isto é muito positivo, quando a coisa se torna uma pequena obsessão, nem tanto assim. Felizmente, tal como tenho vindo a dizer a mim mesma cada vez mais, tudo é passageiro. E sim, tudo, incluindo o bom e o mau, e por isso quando a maré está brava, tento lembrar-me que eventualmente acalmará.
Eu bem comprei um carrinho de livros, uma estante nova, etc. etc., mas enquanto os livros me passeavam pelas mãos, ainda assim não me estavam a tocar. Comprei alguns livros novos, uma série de e-books no Kindle, mas acabava sempre a cair na não-ficção. Mais uma vez, não sou contra quem só lê não-ficção, mas se vocês são leitores do blogue há algum tempo, sabem muito bem que por aqui se costumava ler de tudo, incluindo poesia e literatura meia esquisita, mas brilhante, como por exemplo I Love Dick ou Uma Rapariga é Uma Coisa Inacabada.
No entanto, se vocês são leitores há pelo menos uma década ou mais (e sei que alguns de vocês são — estou tão surpreendida pelas mais de 200 reacções no facebook ao último post!!) sabem muito bem que a minha paixão de adolescência e início da idade adulta foi sempre a literatura fantástica. Alguns também saberão que Juliet Marillier é uma das minhas autoras preferidas, cujo nome Bran deste blogue e do meu cão se deve a’O Filho das Sombras. Ainda tentei pegar num dos seus livros, mas a questão é que o meu coração não estava preparado para um romance e uma história que me comovesse demasiado. O luto é um bicho estranho.
No meio dos livros meios perdidos das mudanças para onde estou agora, encontrei o Lugar Nenhum do Neil Gaiman. Já li alguns livros do escritor, como Deuses Americanos ou O Oceano no Fim do Caminho, mas já fazia uns anos que não lia nada seu. E então pensei “porque não?”, provavelmente vai acontecer o mesmo que aconteceu com todos os últimos livros de ficção que tentei pegar até agora — leio uma ou duas páginas e pouso o livro sem voltar a pegar nele. Não sei se também passam por estas crises existenciais em que mesmo que os livros sejam os melhores, pura e simplesmente não pegam connosco. Acontece. A vida acontece.
O que também acontece é que como quem não quer as coisa, Richard e Door (dois dos personagens principais) lá se enfiaram na minha mente e já vou a mais de meio do livro. Eu que já tinha desistido de andar com livros atrás de mim, agora tenho o deja vú de há uns anos que é trazer o livro comigo mesmo que não tenha a certeza de haver oportunidade para o ler. E o que é que isto tem a ver com o redescobrir o fantástico? Tem tudo a ver. Porque na verdade, e não é a primeira vez, o fantástico tem o poder de nos tirar um pouco deste mundo e dar-nos espaço para respirarmos e processarmos as nossas próprias coisas.
Então mas Juliet Marillier não é fantástico? Claro que sim. Só que no meu caso eu precisava de algo mais “rijo”, mais “bruto”, mas ao mesmo tempo com um toque de sensibilidade e curiosidade que me prendesse na mesma, mas não me atirasse para lugares comuns do luto que tenho andado a processar nos últimos dois meses. O que — se já leram o livro — acaba por ser irónico dada a condição inicial de Door… E sim, por vezes ler coisas com situações semelhantes ajudam, mas eu já tenho os podcasts (ainda não vos falei do meu vício em podcasts, pois não?) e afins…
Não vou escrever nada em concreto sobre a leitura, porque vou guardar para quando publicar em específico sobre o mesmo, mas queria partilhar convosco, incluindo com aqueles que não lêem fantástico (e sim, tenho quem quase lhe dê um treco só de pensar em ler fantástico), que a fantasia também traz consigo um poder que às vezes o romance normal não consegue, por muito bom que seja. E o que mais me fascina é precisamente a capacidade de imaginação, de enredo intrincado, de personagens cheias de camadas e não lineares que nos deixam ali presos à espera do que vem a seguir.
E acabei a escrever bem bem mais do que aquilo que tinha planeado! Espero que tenham conseguido chegar ao fim! E se chegaram, não se esqueçam de subscrever a minha newsletter que vai voltar muito brevemente às vossas caixas de correio! Um abraço e deixem um comentário caso vos apeteça, caso concordem ou discordem de algo. Estou sempre curiosa com as vossas opiniões!
Eu a ler isto:
e a pensar: “Ah já leio há muito tempo, mas acho que não chega a uma década?”… depois fiz contas e senti-me muito velha ao perceber que sim, devo conhecer o teu blog há coisa de uma década 😂
Curiosamente, com livros comigo acontece o contrário: procrastino muito mais a leitura de livros de não-ficção, por mais importantes/relevantes que sejam para mim (e quando páro de procrastinar e pego neles, ou quando até tenho mesmo pica de os ler de imediato, a vida tira-me a energia para conseguir ler seja o que for 😅). Neste momento, estou há meses a ler o “Não é só sangue” da Patrícia Lemos (um livro importantíssimo sobre saúde menstrual , que planeio encher com post-its like I never did before), precisamente pelo combo de falta de tempo e falta de disponibilidade mental/emocional para me confrontar com o assunto do livro. A ficção, havendo tempo para a ler, acaba por funcionar melhor como escape para mim.
No fundo, o denominador comum aqui acaba por ser a parte da disponibilidade emocional para processar o livro, seja ele fictício ou não. A ficção também tem o poder de nos afectar ou assoberbar. Mas fico contente que tenhas encontrado um livro que se está a revelar o livro certo para o momento actual, e que te está a dar gozo ler!
Bem-vinda de volta, e muita força nesta montanha-russa!
Olá Sofia,
É hoje o grande dia, não é? Muitos parabéns 🙂
Nos últimos dias, a minha cabeça anda muito cansada e não tenho lido (há já muito tempo que isto não me acontecia). Comecei “A Espia do Oriente”, do Nuno Nepomuceno, mas vou ter que o retomar em breve, espero 🙂 O livro já não é uma novidade, mas só agora se proporcionou pegar nele.Bjs.
Recomendo a leitura de um romance intitulado: ” Princesa do Desejo “, de Andrew Philip Collins, sobre a vida secreta de uma jovem brasileira.
Olá Aristeu! Muito obrigada pela recomendação. Vou dar uma vista de olhos!